Cédulas de papel serão distribuídas no próximo sábado, dia 7 de outubro, em 900 cidades brasileiras diante de quase 3 mil urnas informais com a seguinte pergunta: “Você quer que o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul formem um país independente?”. Os interessados em participar da consulta informal, chamada Plebisul, sem validade legal, podem responder “sim” ou “não” na votação promovida pelo movimento “O Sul é meu país”. Em outubro do ano passado, 95,7% dos 617.543 participantes votaram pelo “sim”. A meta do movimento era atingir 1 milhão de pessoas, o equivalente a 5% dos eleitores do Sul.
A votação ocorre na semana em que o mundo assiste ao impasse na Espanha, com a tentativa de separação da Catalunha do território espanhol. Porém, no Sul, não é esperado nenhum tipo de violência na votação. “Será bem democrático e extremamente pacífico. Se a pessoa quiser ir na urna e votar ‘não’, ela tem o direito. Todo sulista tem o direito de não querer o Sul separado”, disse a VEJA Anidria Rocha, coordenadora do movimento no Rio Grande do Sul. Além disso, ela afirma que, diferentemente da Catalunha, o movimento não tem como declarar unilateralmente a separação do Brasil. “Ainda estamos na fase de consultar a população de forma extraoficial para que, no futuro, possamos ser um país próspero e independente.”
Apesar do desejo de formar um novo país com os estados do Sul, o grupo esbarra no primeiro artigo da Constituição brasileira que determina que o país é formado “pela união indissolúvel dos estados”. Conscientes da barreira jurídica, os separatistas apelam para o direito internacional alegando que proibir a separação do Sul descumpre o princípio da “autodeterminação dos povos”. Para Luís Renato Vedovato, professor da Unicamp, entretanto, a situação do Sul não se encaixa nas prerrogativas reconhecidas internacionalmente. “O direito internacional só reconhece o direito à separação em três hipóteses: jugo colonial [quando o país é colônia de outro], dominação estrangeira [quando um país invade outro] e graves violações dos direitos humanos [como no caso do Kosovo, que foi separado da Iugoslávia]”, afirma.
O professor é autor de um artigo publicado em 2016 em um periódico científico da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em conjunto com Alexandre Andrade Sampaio. No texto, os docentes analisam as particularidades do movimento separatista do Sul. “O que a gente percebeu é que o movimento brasileiro é o único do mundo que não tem como reivindicação a busca de mais direitos para aqueles que querem libertar. Eles têm como pauta que o restante do país passou a ganhar mais”, disse Vedovato a VEJA.
De fato, são as diferenças econômicas no Brasil que mais indignam os separatistas que organizam o plebiscito. “O fator que mais nos leva a buscar a independência é o econômico. De tudo que mandamos [em tributos] para Brasília, somente 20% retorna”, disse Anidria. “O artigo 3º da Constituição determina que são objetivos fundamentais da República diminuir as desigualdades regionais. Normalmente, são as regiões mais ricas que vão produzir mais e receber menos em troca”, rebate Vedovato.
Se a economia está no centro das motivações atuais dos separatistas, nem sempre foi assim. Há mais de vinte anos, quando o movimento foi criado em Laguna, em Santa Catarina, por Adílcio Cadorin, a principal crítica contra o separatismo era o suposto viés xenófobo, de uma supremacia do Sul com sentimento “antibrasileiro”. “Nosso movimento não tem nada de xenofobia, nada de racismo. Aqui no Sul somos completamente multiculturais, temos etnias de todas partes do mundo. A questão econômica é o que mais pesa. Nosso problema é contra o sistema, contra Brasília. O sistema que se encastelou e nos prejudica, prejudica todos os estados brasileiros”, defendeu Anidria.
Como o plebiscito não tem validade legal e em 2016 chegou a ser proibido pela Justiça Eleitoral de Santa Catarina sob a alegação de que tentar separar parte do território nacional é considerado crime (a pena varia de quatro a doze anos de prisão), o grupo busca um caminho para que a consulta seja reconhecida futuramente. Por isso, além de votar “sim” ou “não” pela criação de um novo país, os participantes poderão assinar o texto para um “Projeto de Lei de Iniciativa Popular”, segundo Adelar Bitencourt Rozin, do departamento jurídico do movimento “O Sul é o meu País”. Pelo projeto, as assembleias estaduais de cada um dos três estados do Sul convocariam plebiscitos oficiais em 2018, simultaneamente às eleições de outubro do ano que vem. Para ser votado oficialmente, o projeto precisa ter assinaturas de no mínimo 1% dos eleitores de cada estado.