Queermuseu: Pais decidem se levam crianças a exposições, diz MP
Ministério Público, que já havia concluído que exposição não fazia apologia à pedofilia, elaborou nota técnica com orientação legal
Por Paula Sperb
6 out 2017, 17h15
São os paisde crianças e adolescentes que devem decidir se seus filhos podem frequentar museus e visitar exposições sem prévia classificação etária. A orientação consta da nota técnica elaborada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), através da Promotoria de Infância e Juventude, e do Centro de Apoio Operacional da Infância (CaoInfância), divulgada na última quinta.
O documento foi produzido como parte da atuação do MP-RS no caso da exposição Queermuseu, fechada pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, após protestos de grupos, entre eles o Movimento Brasil Livre (MBL), que enxergaramna mostra apologia à pedofilia e à zoofilia. A exposição continha obras de artistas reconhecidos mundialmente como Candido Portinari, Alfredo Volpi e Lygia Clark.
A nota elaborada pelo MP e CaoInfância segue o que prevê a Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e o Guia Prático da Classificação Indicativa, do Ministério da Justiça.
A Promotoria da Infância visitou a exposição, após seu fechamento, para verificar o conteúdo e concluiu que não havia nenhuma apologia à pedofilia. “Desde logo, afasto, dessas imagens por si, o aspecto de pedofilia, eis que não contém criança ou adolescente na cena captada ou produzida. Ressalto que não se depreende das imagens, por si, a instigação à prática de ato sexual com o objetivo de satisfazer a lascívia de outrem, elementos fundamentais dos tipos penais do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), antes invocados. Em razão disso, ao menos neste momento, não vislumbro a necessidade de procedimento investigatório criminal”, afirmou o promotor Júlio Almeida na ocasião.
O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul chegou a recomendar que o Santander Cultural reabrisse imediatamente a exposição, mas a orientação não foi acatada. “O precedente do fechamento de uma exposição artística causa um efeito deletério a toda liberdade de expressão artística, trazendo à memória situações perigosas da história da humanidade como os episódios envolvendo a ‘Arte Degenerada’ (Entartete Kunst), com a destruição de obras na Alemanha durante o período de governo nazista”, disse Fabiano de Moraes, procurador regional dos Direitos do Cidadão, no documento. “A mostra Cartografias da Diferenças da Arte teve sua exibição finalizada no Centro Cultural de Porto Alegre, de cunho privado, no dia 10.9.17 e não será reaberta conforme comunicado do mesmo dia”, disse a entidade a VEJA.
A respeito da nota técnica, a coordenadora do CaoInfância, Denise Villela, diz que a orientação é “direcionada tanto aos operadores do direito quanto a qualquer pessoa da população, para que tenham conhecimento de como proceder no caso de exposições em museus e eventos ao vivo, sem prévia classificação pelo Ministério da Justiça. É uma compilação do que a legislação traz sobre isso”.
As obras incompreendidas
Travesti da Lambada e Deusa das Águas (acima), criada por Bia Leite em 2013, faz parte da série Criança Viada e tem como objetivo combater o bullying. O curador Gaudêncio Fidelis entende que o termo “viada”, no feminino, ao lado de “criança”, “dessexualiza o xingamento e empodera o sujeito”. “Essas imagens afirmativas de crianças falando em sua própria voz é uma profunda (e contemporânea) afirmação da expressão de gênero e liberdade criativa”, explica Fidelis.
Jesus é retratado exatamente como todos estão acostumados: crucificado. Porém possui inúmeros braços porque foi representado, como diz o título da obra, Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva (acima), em um sincretismo com a divindade hindu. A obra em acrílico, do porto-alegrense Fernando Baril, é de 1996. “As inúmeras pernas e braços da figura reverberam pera superfície da pintura, exibindo objetos de toda a ordem nas mãos e nos pés, muitos deles relacionados direta ou indiretamente à história da arte e à cultura pop”, diz o texto do catálogo.
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Com 1,2 metro de altura por 1 metro de largura, Cenas de Interior II (acima), pintada por Adriana Varejão em 1994, apresenta marcas que lembram um pergaminho guardado por seus segredos. As cenas onde dois homens se relacionam com uma cabra e dois brancos se relacionam com um negro foram “inspiradas em histórias de iniciação sexual que a artista escutou em Alagoas”, escreveu Adriano Pedrosa no catálogo de uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a obra foi exposta em 2013. “Varejão é leitora de Gilberto Freyre e de suas histórias sobre libertinagem na colonização portuguesa no Brasil”, aponta Pedrosa no material. “Não estamos nem na casa-grande nem na senzala, mas num recinto chinês”, situa o texto.
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