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Responsáveis por farsa de ‘ritual satânico’ são indiciados no RS

O motivo para mentira que prejudicou investigação sobre morte de crianças e levou cinco homens injustamente à prisão não foi revelado

Por Paula Sperb
Atualizado em 16 mar 2018, 20h57 - Publicado em 16 mar 2018, 19h37

Sem revelar o porquê da mentira sobre um falso ritual de magia negra que desviou a investigação da morte de dois irmãos e levou cinco homens injustamente à prisão, a Corregedoria Geral da Polícia Civil (Cogepol) anunciou na tarde desta sexta-feira o indiciamento de quatro pessoas envolvidas na farsa. A motivação do esquartejamento das crianças, um menino com idade entre 8 e 9 anos e uma menina com idade entre 10 e 12 anos, encontrados em 4 de setembro de 2017, em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre, continua sendo um mistério.

A Cogepol não informa a razão da farsa. O anúncio dos indiciamentos foi feito em coletiva de imprensa com a presença do chefe da Polícia Civil, Emerson Wendt.

Entre os indiciados está o delegado Moacir Fermino, que “revelou” a falsa solução do crime durante as férias do delegado titular do caso, Rogério Baggio. A Cogepol não investiga a morte das crianças, apenas a conduta dos policiais.

Fermino foi indiciado por falsidade ideológica e compra de testemunhas. Ele deve permanecer afastado da função até o fim do processo. Procurado por VEJA, não atendeu as ligações. A reportagem não localizou sua defesa. Outros dois policiais foram indiciados por falsidade ideológica porque produziram relatórios com detalhes inventados do caso sem nenhuma apuração das denúncias anônimas. O quarto indiciado é o responsável por oferecer vantagem financeira às testemunhas compradas – ele está preso desde que a mentira veio à tona.

O delegado Fermino e o homem que comprou as testemunhas são amigos há cerca de vinte anos, segundo a Cogepol. Os celulares apreendidos durante a investigação da corregedoria mostram trocas de mensagens entre os dois. “Uma missão esta comprida [sic]. Vai ter o depoimento que faz a ligação dos 7 dicipolos [sic]”, escreveu o homem ao delegado em 21 de janeiro, véspera da data em que a terceira testemunha completou a narrativa com os detalhes que faltavam para a história mirabolante parecer verdadeira.

Em outra mensagem, uma testemunha comprada chegou a reclamar do salário que estava recebendo do programa de proteção às testemunhas, uma das vantagens prometidas e entregue a ele, informou o delegado Bruno Oliveira, da Cogepol. A testemunha reclamou para o homem que havia prometido o recurso.

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Segundo o delegado Antônio Lapis, que também investigou a conduta dos policiais, vinte e seis pessoas foram interrogadas, sete mandados de busca e apreensão foram cumpridos com análise de telefones e computadores.
As falsas testemunhas e alguns dos homens que foram injustamente presos possuem ligação, mas a relação ainda é confusa. Segundo o delegado Bruno Oliveira, um dos homens que foi apontado como “discípulo” do ritual teria pago 20.000 reais por uma limpeza em um terreno de sua propriedade. O responsável pelo trabalho seria o homem que está preso por comprar as testemunhas. Ele nunca terminou a limpeza e estava sendo cobrado para terminar o serviço.

Além de não informar a motivação para levar os sete homens à cadeia, a Cogepol também não informou o porquê de tantos detalhes envolvendo um ritual de magia negra. Porém, os delegados garantem que um livro encontrado na casa de Fermino, que é evangélico, contém detalhes parecidos com o do ritual inventado.

“Tudo mentira”

O delegado que originalmente investigava a morte das crianças e foi substituído por Fermino nas suas férias, Rogério Baggio, chamou a história de mirabolante em entrevista anterior a VEJA.

Assim que percebeu que os homens presos não estavam envolvidos no crime, Baggio temeu por suas vidas. “Eles eram acusados de algo grave. Mesmo quem é criminoso não aceita esse tipo de coisa envolvendo crianças. Eu tinha que correr contra o tempo [para que outros presos não matassem os suspeitos]”, disse à reportagem o titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo.

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“As vítimas, até então suspeitas, foram postas em liberdade. Fiquei mais tranquilo. A maior satisfação do trabalho não é prender, como as pessoas podem imaginar, mas libertar pessoas inocentes”, falou Baggio.

Um desses homens contou à reportagem que os dias na prisão foram os “piores de sua vida”. “Tenho uma família que teve que ouvir que eu comi carne de criança e bebi sangue. É uma coisa de perder o sono. Quem tem psicológico [sic] para encarar a vida agora? Se fosse só eu, mas tenho cinco filhos, um de criação, e dois netos. Quem faria tanto mal? A família toda acredita em mim, mas não caiu a ficha ainda do que vai acontecer daqui para frente”, disse o vendedor à reportagem.

Ele vendia sapatos, terrenos e carros usados sem um emprego formal. Porém, agora, não consegue fazer as vendas que sustentavam a família. “Não tenho mais nenhum trabalho e nada para fazer. Eu vendia sapatos que retirava na fábrica com consignação, mas não me entregaram mais. Minha dignidade foi para o lixo”, falou.

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