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Roberto Pompeu de Toledo

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“Não é para mim”

Por que não conferimos à educação a prioridade indisputada que lhe cabe?

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h59 - Publicado em 31 jan 2020, 06h00
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  • Quando jovem estudante, na década de 90, Priscila Cruz costumava dedicar suas manhãs de sábado ao trabalho voluntário numa escola da periferia de São Paulo. A escola era no bairro de Jardim Varginha — mais um a carregar o nome de “jardim”, copiado do Jardim América e do Jardim Europa, para designar, num arroubo de otimismo, ou de desencantada ironia, um lugar de escassas árvores. Priscila dava aulas de reforço de matemática a alunos muito pobres, cuja trajetória escolar era, de ano para ano, um acúmulo de defasagens. Ela não sabe o nome do menino que um dia se aproximou para anunciar uma resolução. Mas nunca se esqueceu do que ele lhe disse:

    — Tia, eu vou embora. Educação não é para mim.

    Priscila Cruz, formada em administração pela Fundação Getulio Vargas e em direito pela USP, com especializações nos Estados Unidos, é hoje a presidente executiva do Todos pela Educação, movimento voltado para a mobilização da sociedade civil pela melhoria do ensino. Ela contou a história do menino sem nome numa recente palestra TED — curtas apresentações sobre diferentes assuntos, patrocinadas pela fundação americana Sapling, que podem ser vistas no YouTube. Na ampla gama de sentidos que a palavra “inclusão”, tão insistente nestes dias, nos oferece, a frase do menino merece lugar de honra. É ao mesmo tempo uma resignação, um lamento e um protesto, o cúmulo da autoexclusão e uma pungente denúncia das iniquidades sociais. Para Priscila, tal qual revelou na palestra, foi uma epifania.

    O menino da frase foi mesmo embora. A conclusão de que educação não era para ele definiu seu caminho. A Priscila, hoje uma das maiores autoridades em educação do país, ele legou o sacolejão que, diz ela, tirou-a de sua “bolha”. Na palestra, Priscila desfia, como numa sucessão de silogismos, verdades tão simples que chocam. Começa com a exibição, na tela ao fundo, de três manchetes que os brasileiros anseiam por ver um dia. A primeira: “Brasil acelera o crescimento com forte redução da desigualdade”. A segunda: “Queda vertiginosa dos índices de violência coloca o Brasil entre os países mais seguros”. A terceira: “Brasil lidera produção científica de ponta e muda sua matriz econômica”. A cada enunciado ela faz pausas e comenta: “Já imaginou?”, “Não é o sonho de todos nós?”. Na conclusão, adverte que, para a realização de cada uma dessas manchetes, tem de vir primeiro outra: “Brasil é o país que mais cresce no Pisa na última década e encosta na elite da educação mundial”.

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    Sem educação pública de qualidade continuaremos a patinar na desigualdade

    Tudo grita, de tão óbvio. É óbvio que sem educação pública de qualidade continuaremos a patinar na desigualdade, e é óbvio que sem avançar na redução da desigualdade continuaremos travados no subdesenvolvimento. Por que então não conferimos à educação a prioridade indisputada que lhe cabe? “Não existe a menor possibilidade de o Brasil crescer, se desenvolver, distribuir renda, gerar oportunidades para todos, se tornar um país seguro, se não resolver a educação pública”, diz a palestrante. E ainda: “Se os brasileiros se tornaram intolerantes com relação à inflação, à corrupção, ao desemprego, por que a gente aceita tão facilmente a baixa qualidade da educação pública?”.

    A resposta está em outra demonstração, de lógica elementar, contida na palestra de Priscila, e que tem origem em seu encontro com o menino sem nome. Ao sair da bolha na qual só se preocupava “com a própria educação, com ter um bom emprego”, e acreditava que assim “as coisas iam se resolver”, ela se deu conta de que a educação do menino não interessava só a ele. Interessava a ela, Priscila. Por extensão, interessava-lhe a educação de todos os outros meninos e meninas. Só com educação para todos teremos um país próspero, igualitário e seguro. Só com educação de qualidade superaremos essa “situação que nos está travando, que está travando a vida do país”.

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    O menino sem nome acreditou naquilo que “muitos de nós, de forma consciente ou inconsciente”, diz Priscila, “também acreditam e aceitam: que educação de qualidade é para uns, e que outros não vão tê-la, e tudo bem”; não nasceram para isso. “A ideia poderosa que vai nos fazer sair desse lugar de complacência”, segundo Priscila, é a “solidariedade”, é nos mobilizarmos “todos pela educação de todos”, jogando pressão sobre os governantes, e conscientes de que tão importante quanto nossa educação e a de nossos filhos é a dos jovens “que nunca veremos na vida”. A força de Priscila Cruz está em combinar o fogo da paixão com a água fria da lógica. Dessa química ela extrai o rumo para nossa salvação, como indivíduos e como nação.

    Os textos dos colunistas não refletem necessariamente as opiniões de VEJA

    Publicado em VEJA de 5 de fevereiro de 2020, edição nº 2672

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