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Rodrigo de Almeida

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Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Decifrando Milei e a extrema direita argentina

Javier Milei é mais do que um candidato outsider, caricato, desqualificado e antissistema, diz o pesquisador Pablo Ortellado

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 10 Maio 2024, 08h29 - Publicado em 20 out 2023, 10h05
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  • Três candidatos disputam os votos dos argentinos no próximo domingo com chances reais de vitória, mas Javier Milei, do partido A Liberdade Avança, é o favorito como o outsider da extrema direita, libertário e antissistema, que se posiciona contra tudo e contra todos. E, ao contrário do que muitos analistas pensam, a liderança de Milei não se resume a um voto de protesto, sem sentido, desesperançoso, a preferência a um candidato supostamente caricato, desqualificado, grotesco até, simplesmente para mandar às favas o sistema político. Não. Milei tem mensagem, e o coração dessa mensagem não só não está aí como também encontra grande ressonância no eleitorado.

    No Brasil de 2018, muitos pensavam que o eleitorado tinha dado um voto de protesto no candidato também supostamente desqualificado, também antissistema, também grotesco até. No país pós-impeachment de Dilma Rousseff, pós-trauma de Michel Temer e sua quase queda, com alguns anos de desabono do Congresso, dos partidos e da classe política, uma Lava-Jato que ainda promovia sua destruição institucional e uma situação econômica deteriorada, Bolsonaro emergiu de maneira rápida até galvanizar uma maioria em sobressalto. Mas ia além das simplificações de então. Tinha mensagem, e essa mensagem também encontrava respaldo em amplos setores da sociedade brasileira, marcadamente conservadores e que endossavam seus discursos contra o feminismo, o movimento LGBTQIAPN+ e direitos humanos e seus ecos de um passado escravista e presente racista.

    Os argentinos vivem hoje o que vivemos desde 2018 e, com essa experiência, o professor Pablo Ortellado e um grupo de pesquisadores da USP que integram o projeto Monitor do Debate Político foram à Argentina acompanhar de perto a reta final das eleições. (Desde 2016 o Monitor realiza pesquisas e investiga, entre outras coisas, a polarização do debate político brasileiro.) Eles ouviram 180 apoiadores de Milei presentes em seu último ato de campanha, um comício que reuniu 12 mil pessoas na noite da última quarta-feira (dia 18). Fizeram isso em parceria também com pesquisadores argentinos que integram o Programa de Análise da Construção do sentido em Plataformas Digitais da Universidade Nacional de Lanús.

    Ortellado compartilhou com a coluna algumas de suas impressões com o que viu e ouviu. Na essência, ele reforça esta análise segundo a qual Milei, diferentemente do que pensam muitos analistas (argentinos inclusive) tem mensagem clara e com incrível ressonância numa faixa significativa do eleitorado. Com a economia deteriorada, a inflação superando 100% ao ano, pobreza e desemprego em alta e a política em baixa depois dos fracassos de governos de direita (com Mauricio Macri) e de esquerda (com Alberto Fernandez), Milei mirou na mensagem econômica: a defesa do liberalismo econômico, da dolarização da economia e do combate à inflação estão em primeiro plano. “A espinha dorsal da campanha foi centrada nas questões econômicas e menos nas questões das guerras culturais. Aos poucos é que ele foi incluindo temas morais na agenda”, resumiu o professor da USP.

    Chamou a atenção de Pablo Ortellado o fato de ser um grupo apoiador jovem, alegre, festivo e esperançoso. Mais de 70% dos presentes ao último comício de Milei tinham até 35 anos; cerca de 40%, menos de 24 anos. “Era uma coisa alegre, viva, de muita massa. Antipolítica, sim, com uma cultura de internet forte, especialmente no combate ao politicamente correto”, diz ele. O núcleo duro do bolsonarismo, por outro lado, era um grupo mais velho, entre 45 e 54 anos

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    Em outras palavras, o voto de protesto mileísta parece longe do desencanto e da desesperança, como se poderia supor diante de uma candidatura antissistema e em meio a fracassos econômicos retumbantes. Parece distante também do discurso raivoso e antiperonista que marcou a ascensão da direita liberal representada por Mauricio Macri, presidente de 2015 a 2019. Ao candidato da esquerda, Sergio Massa, é difícil o papel da esperança – afinal, foi ele o ministro da Economia do atual presidente, Alberto Fernández. “Milei parece ser o único voto de esperança”, disse Ortellado à coluna

    A interpretação do peso dessa juventude entre apoiadores de Milei? Para Ortellado, é um público que praticamente desconhece uma gestão da Argentina desvinculada do peronismo – como se chama a linhagem de esquerda, criada pelo ex-presidente Juan Perón e fortemente enraizada no país pelo menos nos últimos 20 anos. Néstor Kirchner, Cristina Kirchner e Fernández são todos ligados ao peronismo. Por outro lado, é notável como avanços progressistas no campo dos direitos humanos e do identitarismo recebem a desconfiança e o rechaçamento desse eleitorado.

    Segundo a pesquisa de Ortellado, para 70% dos apoiadores de Milei que estiveram presentes ao comício acham, por exemplo, que os direitos humanos atrapalham o combate ao crime; 87% avaliam que os programas sociais desestimulam as pessoas a trabalhar; 69% consideram que o governo não deveria pagar por todas as necessidades do povo. Um assombro para quem se acostumou a ver uma ligação direta do voto das casses mais baixas com o peronismo. Milei exibe um apelo transversal: de eleitores ricos a pobres, segundo mostra a pesquisa.

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    Milei fez campanha pesada sobre direitos sociais. Quem está estudando esse fenômeno trabalha com a hipótese de que o crescimento do trabalho informal e do pequeno empreendedorismo resulta na visão de que o trabalho passa a ser visto como privilégio, algo não universalizável. “Para esse eleitorado, isso deixa de ser direito social e passa a ser privilégio”, explica Ortellado.

    É arriscado fazer prognósticos à essa altura, mas a eleição presidencial argentina deve ir ao segundo turno. Um candidato precisa ter 45% dos votos ou 40% e ter diferença de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado. Caso haja segundo turno, os argentinos voltam às urnas no dia 19 de novembro. Seja como for, certamente vai inspirar a direita brasileira para o próximo ciclo eleitoral. Entender Milei e seu discurso nos ajuda também a lidar com as pautas econômicas e morais até 2026.

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