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Rodrigo de Almeida

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Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Enquanto partidos querem anistia, mulheres são atacadas na política

O exemplo de Carol Gonçalves, de Toritama (PE), se soma a muitos outros que tentam limitar a ação de mulheres

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 13 Maio 2024, 21h01 - Publicado em 21 set 2023, 09h51
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  • Terminou bem o caso de Carol Gonçalves (MDB), vereadora do município de Toritama, interior de Pernambuco, que enfrentava um pedido de cassação por uma viagem ao México para participar como palestrante do Fórum Global pela Cidadania. Uma viagem sem uso de recursos públicos. A acusação? O fato de ela não ter informado a viagem à Mesa Diretora da Câmara Municipal, algo não exigido no regimento interno da Casa. Na prática, Carol Gonçalves enfrentava uma flagrante perseguição: uma acusação sem amparo no regimento nem na Lei Orgânica do Município, disseminação de fake news contra ela e omissão do próprio partido em sua defesa. Ela foi a primeira vereadora a sofrer um pedido de cassação na Justiça em quase 70 anos de história política de Toritama. Justo ela: uma mulher, jovem, preta e da periferia. Na semana passada, porém, o pedido foi arquivado no Ministério Público de Pernambuco.

    Terminou bem, em termos. O que Carol Gonçalves enfrentou nos últimos meses entre seus pares homens na Câmara Municipal de Toritama é enfrentado daí para pior por muitas mulheres e pessoas trans que ousam ocupar espaços de poder. Isso tem nome e está na lei desde 2021: violência política de gênero. Diz respeito a qualquer agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. O que organizações que lidam com o tema explicam é que violência de gênero não se trata apenas de um ataque a alguém de um gênero específico, mas de um ataque motivado pelas expectativas sobre o papel que a vítima deveria empenhar na sociedade. Em outras palavras, no caso da violência contra a mulher, seus algozes acreditam que ela não deveria ocupar outro lugar que não o da submissão.

    São exemplos desse tipo de violência política restrições, interrupções e tentativas de silenciamento ao exercício do direito da palavra por uma mulher parlamentar. Críticas a uma liderança política mulher que recorrem a estereotipações da figura feminina ou tentativas de ridicularização. Ou ainda agressões de fato, sejam elas psicológicas, sexuais ou físicas, no exercício do poder.

    Ao município, em suas redes sociais e à coluna, a vereadora não hesitou em dizer que foi vítima de violência política de gênero. Não só pela acusação e pelas fake news de que foi alvo, mas pela singularidade da escolha. Outros vereadores ali – homens, claro – já se envolveram em escândalos como agressão, discriminação e uso indevido de diárias. Sem sequer punição leve. Na viagem ao México, o epicentro da crise em que se envolveu, a vereadora falou sobre um projeto de participação popular, a Assembleia Cidadão ‘RespirAR Puro’, cujo objetivo é combater a poluição do ar causada pelas lavanderias industriais de Toritama. “Tentaram me perseguir e me censurar”, disse a vereadora à coluna, antes do arquivamento. Depois da notícia, compartilhou o alívio, dizendo-se de “coração lavado” e anunciando que vai à Justiça em nome da criminalização da violência política de gênero.

    Esse tipo de problema não escolhe partido ou preferência ideológica. Filha de costureiros, Carol Gonçalves é mulher, preta, jovem e da periferia, como já sublinhado, mas integra o MDB – não exatamente um partido de esquerda. Teve laços com movimentos de renovação política ultra-moderados, como o movimento Acredito e o RenovaBR, onde foi aluna no programa de políticas públicas. Depois de estudar em escola pública e ingressar em 2015 no curso de Relações Internacionais por meio de uma bolsa de estudos, formou-se em 2019 em Caruaru. Elegeu-se com 770 votos. Carol também integra a rede da RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), organização apartidária que trabalha para formar, qualificar e estimular lideranças políticas a atuar nas agendas da democracia e da sustentabilidade. A rede tem membros de 26 partidos, da esquerda à direita.

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    A própria RAPS entende bem do tipo de perseguição de gênero. Duas outras vereadoras que integram sua rede, do PDT de Uberlândia (MG), também enfrentam problemas desse tipo neste momento – ainda sem desfecho como o de Carol Gonçalves. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, as deputadas estaduais Lohanna França (PV) e Bella Gonçalves (PSOL) receberam ameaças de estupro e morte e anda com escolta 24 horas por dia. A Bella falou-se em “estupro corretivo”, pelo fato de ser lésbica. Nunca será demais lembrar o que enfrentaram ou enfrentam nomes como Tabata Amaral, Manuela D’Ávila e Dilma Rousseff, ou ainda as recentes destaques entre as personalidades escolhidas pela revista Time, as deputadas federais Erika Hilton e Duda Salabert.

    Num universo patriarcal e machista por tradição, vício e inércia, a política brasileira produz novos fatos a todo momento. Está no Código Eleitoral o crime de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar aquelas que ocupam cargos políticos ou são candidatas. Até novembro do ano passado, o Ministério Público Federal havia aberto 112 procedimentos para apurar violência política contra mulheres no Brasil. Uma média de sete casos por mês.

    Às ameaças e perseguições se somam tentativas de restrição dos espaços ocupados. A votação da PEC da Anistia é um exemplo. A Proposta de Emenda Constitucional que anistia partidos políticos por irregularidades nas prestações de contas feitas em eleições passadas, altera regras para a participação das mulheres na política. Por exemplo, retira a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres (a lei atual prevê que três em cada 10 candidatos de uma legenda sejam mulheres). A PEC perdoa várias irregularidades e ilegalidades e, no caso das mulheres, o faz apenas um ano depois do esforço constitucional de dar aos partidos a responsabilidade de incentivar a presença de mais mulheres na política.

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    Segundo levantamento do Instituto Alziras, realizado em parceria com a Oxfam Brasil, o país segue amargando as piores posições no ranking de participação política de mulheres. No ritmo atual, calcularam as organizações, a paridade no comando de prefeituras, por exemplo, levará 144 anos para acontecer. (A paridade de gênero no poder é uma das principais agendas dos movimentos e organizações feministas.)

    “Assinada por mais de 1/3 dos parlamentares e por mais da metade dos partidos com assento na Câmara dos Deputados, a PEC em tramitação é um gesto de fraternidade parlamentar e interesses compartilhados, independentemente das diferenças ideológicas”, escreveu no mês passado na revista Piauí a cientista política Mônica Sodré, diretora-executiva da RAPS. Barrá-la, disse Mônica, “poderia dar novo fôlego ao compromisso dos partidos políticos com a sociedade brasileira, renovando assim seu importante e necessário papel em regimes democráticos”.

    É exemplar uma frase de uma deputada argentina, Victoria Donda, que pode ser lida num incrível estudo feito pelo Instituto Update, intitulado Eleitas, que mapeou os desafios, possibilidades e dificuldades de mulheres no exercício do poder – para chegar lá e para se manter. Victoria Donda usou como metáfora uma bicicleta: “Eu acredito que o poder é um assento de bicicleta feito para o corpo masculino. E como mulher você tem três opções: ou você senta e se acostuma com o incômodo, o que te faz exercer o poder de forma masculina, tratando tudo à força, impondo autoridade desde uma perspectiva violenta; ou aceita que esse assento não é pra você, desce da bicicleta e não exerce o Poder. Ou, então, você muda o assento. E para mim devemos trocar o assento e trocar a forma de exercer o poder.”

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