Grupo Bertin une Lula e família Lobão (aquele do MDB)
Sobre como laços corruptos são previsíveis
O início do diálogo entre a juíza Gabriela Hardt e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora réu, é longo, mas vale ser transcrito.
– Posso chamá-lo de ex-presidente?
– Pode.
– Então o senhor sabe do que está sendo acusado neste processo, né?
– Não.
– Não sabe, ou…
– Não sei. Eu gostaria de pedir… Se a senhora pudesse me explicar qual é a acusação.
– Tá. O senhor tem dois conjuntos de acusações. A primeira parte da acusação diz respeito a corrupção, que o senhor teria recebido vantagens indevidas da Odebrecht e da OAS relacionadas aos contratos que eles têm com a Petrobras. E o segundo conjunto de atos que seriam atos de lavagem de dinheiro relacionados à reforma do sítio em beneficio ao senhor e sua família que foram feitas, em um primeiro momento, pelo [José Carlos] Bumlai e, em um segundo momento, pela Odebrecht e, em um terceiro momento, pela OAS. Um resumo muito sintético seria esse.
– Não, não, não. Eu imagino que a acusação que pesava sobre mim é que eu era dono de um sitio em Atibaia.
– Não, não é isso que acontece. É ser beneficiário de reformas que foram feitas. A acusação passa pela relação de o senhor ser dono do sítio, mas a acusação imputada é de o senhor ser beneficiário das reformas que foram feitas por essas três pessoas que eu lhe falei. Bumlai, Odebrecht e OAS.
– Doutora, eu só queria perguntar, para meu esclarecimento, porque estou disposto a responder toda e qualquer pergunta. Eu sou dono do sítio ou não?
– Isso é o senhor que tem que responder, não eu, doutor, e eu não estou sendo interrogada neste momento.
– Quem tem que responder é quem me acusou!
– Doutor, senhor ex-presidente, isso é um interrogatório e, se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema. Então vamos começar de novo. Eu sou a juíza do caso e vou fazer as perguntas que eu preciso para que o caso seja esclarecido e para que eu possa sentenciá-lo ou algum colega possa sentenciá-lo. Em um primeiro momento, quero dizer que o senhor tem todo o direito de ficar em silêncio, mas neste momento eu conduzo o ato.
(Um dos advogados de Lula tenta tumultuar e não consegue. A juíza pergunta se o ex-presidente se sente apto a responder.)
– Eu me sinto apto e me sinto desconfortável.
– Se o senhor se sente desconfortável, o senhor pode ficar em silêncio e isso não será usado em prejuízo a sua defesa. Se o senhor quiser responder as perguntas que primeiro eu vou lhe fazer, depois o Ministério Público e depois a defesa, o senhor pode responder.
– E quando é que eu posso falar, doutora?
– O senhor pode falar e pode responder quando eu lhe perguntar, no começo.
– Mas pelo que eu sei, é meu tempo de falar.
– Não. É o tempo de responder minhas perguntas. Eu não vou responder interrogatório nem questionamentos aqui. Está claro? Está claro? Que eu não vou ser interrogada?
– Eu não imaginei que fosse ser assim, doutora.
– Eu também não.
– Como eu sou vítima de uma mentira há muito tempo…
– Eu também não imaginava.
– … eu imaginei que agora…
– Vamos começar com as perguntas. Eu já fiz um resumo da acusação e vou fazer as perguntas. O senhor fique em silêncio ou o senhor responda. (…) Em que momento, o primeiro momento, que o senhor teve contato com esse sítio de Atibaia.
– Dia 15 de janeiro de 2011.
***
Era sábado. No dia anterior, a nova presidente Dilma Rousseff (PT) fez sua primeira reunião ministerial. O ministro da Fazenda, Guido Mantega (PT), cobrou que seus colegas fizessem esforço para reduzir os gastos e racionalizar as despesas de seus ministérios. Edison Lobão (PMDB), responsável pela pasta de Minas e Energia, ironizou. Conseguiria reduzir “dez centavos”.
Quase exatamente cinco anos depois, em 6 de janeiro de 2016, a Polícia Federal apreendeu, nos escritórios do Grupo Bertin, documentos que indicavam pagamentos de R$ 8 milhões para Edison Lobão Filho (PMDB), ex-senador e ainda filho de seu pai. O dinheiro se referia a ações de duas pequenas centrais hidrelétricas: Buriti (Mato Grosso) e Curuá (Pará).
O Grupo Bertin tem ligações econômicas com José Carlos Bumlai, o amigo de Lula que quase foi seu assessor.
De acordo com relatório da Polícia Federal divulgado em novembro de 2016, o mesmo grupo pagou obras no sítio de Atibaia através de Bumlai.
Quando réus respondem, círculos se fecham.