Cerca de dez anos atrás, sem imaginar que o filão renderia tanto, comecei a escrever na imprensa sobre assuntos de língua e linguagem. Não sou professor de português, gramático ou linguista, gosto sempre de lembrar, porque há quem se impressione mais com esses títulos do que com o texto em si – já fui chamado por leitores desavisados até de filólogo. Sou jornalista profissional há quase trinta anos e escritor com meia dúzia de livros publicados – a maioria de ficção, romances e contos, mas um deles, “What língua is esta?” (Ediouro), precisamente de… crônicas linguísticas. Mas que gênero será esse?
Pois bem. Depois de me meter um tanto estouvadamente na empreitada é que, pesquisando, fui encontrar uma longa linhagem de cronistas linguísticos na imprensa brasileira. Eu nunca os tinha lido sob esse prisma, mas Machado de Assis e Rubem Braga, por exemplo, sempre tiveram um carinho especial por questões de língua em suas crônicas. São saborosos os textos em que Machado ironiza a mania de criar neologismos do latinista Castro Lopes (1827-1901), inimigo das palavras francesas que infestavam o vocabulário brasileiro no século 19. Castro Lopes inventou, por exemplo, os nasóculos como substitutos do pince-nez, mas a palavra não vingou, como Machado, morrendo de rir, sabia que não vingaria. (Vamos fazer justiça: Castro Lopes inventou também a palavra cardápio, para substituir menu, e esta pegou.)
E a velha tradição da crônica sobre a angústia da folha em branco, da qual praticamente cronista nenhum escapou, será o quê, com seu aspecto reflexivo, metalinguístico? Entre os contemporâneos, Luis Fernando Verissimo também recorre com muita competência ao gênero. É natural que seja assim: a língua que compartilhamos é um caldo cultural riquíssimo. À parte quesitos como talento e renome, em que não dou nem para a saída, a diferença em relação a todos esses, digamos, “precursores” é o compromisso que assumi de tratar do assunto com regularidade, quaisquer que sejam as condições atmosféricas ou linguísticas do momento. A angústia da folha (ou tela) em branco sempre existirá, mas já não cabe transformá-la em tema. Melhor contar uma historinha como esta, fazer um aceno a Machado e Verissimo, e quando menos se espera chega o ponto final.