Nos anos 1950, após escapar do galinheiro de uma fazendeira cruel, a franga Ginger conquistou o que sempre almejou: a tão sonhada liberdade. De brinde, construiu uma família com o galo Rocky e deu à luz Molly, pequena aventureira e curiosa como a mãe. A adolescente cresceu dentro da comunidade que seus pais e as outras galinhas fugitivas ergueram em uma ilha idílica. Ironicamente, a jovem — dublada em inglês pela carismática Bella Ramsey — se sente prisioneira desse mundo perfeito e faz de tudo para sair e explorar o desconhecido. A aventura deflagrada pela rebeldia da filha de Ginger faz de A Fuga das Galinhas: a Ameaça dos Nuggets, já disponível na Netflix, uma sequência à altura — e impagável — do filme lançado em 2000 que revolucionou a indústria de animação em stop-motion.
Elevada ao estado da arte pelo estúdio inglês Aardman, criador da franquia, a técnica consiste em capturar quadro a quadro cada movimento dos personagens e cenários, usando bonecos feitos de estrutura robótica e plasticina — uma mistura de argila, cera e plástico modelável, popularmente conhecida como “massinha”. A Fuga das Galinhas levou cinco anos para ser produzido em função de sua filmagem trabalhosa. Apostando em ação, lutas e cenas de voos hilariantes, a animação superou as expectativas. Com orçamento de 45 milhões de dólares, o filme original rendeu uma bilheteria de 220 milhões de dólares, tornando-se a obra de stop-motion mais bem-sucedida da história. Na sequência, a Aardman produziu outros sucessos, Wallace & Gromit (2005) e a série Shaun, O Carneiro (2011-2019). As galinhas mudaram até a história do Oscar: após esnobar o primeiro longa, a Academia de Hollywood decidiu criar, enfim, a categoria de melhor animação, em 2002. Até então, desenhos só ganhavam prêmios honorários — caso de A Branca de Neve, em 1939, e Toy Story, em 1996.
A sequência levou seis anos para ser concluída e, para além da nostalgia, traz um sopro de inovação à receita. A Ameaça dos Nuggets contou com uma equipe de quarenta animadores e precisou de mais de 1,8 tonelada de plasticina para conseguir criar 145 000 imagens individuais (são 24 quadros por segundo), e ainda tem efeitos visuais aprimorados e fluidos. Fatores necessários para uma boa experiência no cinema ou no sofá de casa. “A técnica ainda é muito manual, o tempo necessário para filmar segue demorado”, explicou a VEJA Jon Biggins, supervisor de efeitos especiais do filme. Apesar do espírito artesanal, o avanço da tecnologia facilitou o processo. “Antigamente era preciso esconder manualmente as hastes usadas para fazer um personagem pular, por exemplo. Com os softwares que temos agora, é possível só apagá-las na pós-produção”, complementa Kirstie Deane, produtora da Aardman.
A maternidade fez Ginger ficar cautelosa — afinal, ela teme que Molly passe o mesmo terror que ela enfrentara. Mas a franguinha fujona vai parar em uma granja que cria “galinhas felizes” — apenas para o abate, é claro, em uma ironia sobre as empresas que tentam emplacar a narrativa “humanizada” para comercializar proteína animal. Enquanto o primeiro filme era inspirado no thriller Fugindo do Inferno (1963), sua sequência bebe de Missão Impossível (1996). Ginger precisa invadir a fazenda tecnológica para resgatar a rebenta antes que ela vire recheio de nuggets em um novo plano de negócios de Tweedy, vilã do primeiro filme, que faz seu retorno ainda mais implacável. A velha massinha de modelar invadiu a tela de novo — e permanece inovadora e irresistível.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872
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