Apple TV+ entra com o pé esquerdo na guerra contra a Netflix
Canal de streaming fez muito barulho (e gastou muito dinheiro) com séries estreladas por Jennifer Aniston e Jason Momoa — mas o resultado é constrangedor
São muitas as empresas no encalço da Netflix: todas sedentas por derrubar o domínio da gigante do streaming. O Amazon Prime Video corre logo atrás com seus filmes premiados e poucas, mas boas séries. A Disney em breve terá uma plataforma para chamar de sua, a Disney +, que contará com conteúdo original das marcas da casa, como Marvel e Pixar — e estreia neste 12 de novembro nos Estados Unidos.
Não à toa, a expectativa foi alta quando a Apple anunciou que tiraria seu teco do mercado e prometeu uma plataforma de streaming com produções orçadas em 6 bilhões de dólares. Pois bem: o Apple TV+ entrou no ar na sexta-feira passada, 1º de novembro, com oito títulos originais — quatro séries, um documentário e três programas infantis. E o que era expectativa se transformou em tremenda decepção.
O primeiro empecilho: como assistir? Usuários da Apple encontram, escondida, a falada estreia da plataforma, lá no aplicativo da Apple TV — local que já agregava sugestões de filmes e séries de outros canais, como HBO e Prime Video. Quem sabia do lançamento, teve de caçar os novos títulos entre velharias. Ao encontrar o que desejava, a muito custo, o usuário vem a descobrir que o serviço custa 9,90 reais, após sete dias de teste grátis. Depois, mais uma descoberta: ao topar o ingresso no teste dos sete dias gratuitos, o espectador só terá acesso a três episódios das principais séries, que terão um capítulo liberado por semana, após o período de degustação. Boa sacada ou patifaria?
Outro caminho para experimentar o serviço é o site oficial da plataforma, que não vem fácil numa busca do Google: antes, ele compete com anúncios da própria marca, até chegar ao endereço online nacional.
Mas o pior ainda está por vir…
As séries da Apple TV+
Duas séries são carros-chefes do lançamento: The Morning Show e See. A mais esperada, The Morning Show, aposta em nomes estrelados: Jennifer Aniston, Reese Witherspoon e Steve Carell. Em seus três primeiros episódios, percebe-se que o gasto com elenco foi tão grande que não sobrou para investir nos roteiristas — claro, isso é uma piada, já que foram torrados estimados 150 milhões de dólares na temporada de 10 episódios. A trama repleta de clichês acompanha a derrocada de Mitch, personagem de Carell, âncora de um popular jornal matinal americano, por acusações de assédio sexual. Sua parceira de bancada é Alex (Jennifer), que precisa lidar com a crise de imagem do programa enquanto tenta sair por cima em uma truncada negociação de contrato. Enquanto isso, no interior do país, longe da Nova York que serve de cenário para a série, viraliza o vídeo que flagra a repórter de um jornal local, Bradley (Reese), agredindo uma pessoa durante uma reportagem. A esquentadinha vira sensação e acaba nos estúdios do The Morning Show para uma entrevista com Alex — que vai culminar numa reviravolta sem pé nem cabeça.
De ritmo moroso e com excessos inverossímeis, a série não sabe se bate no movimento MeToo — criticado obsessivamente pelo apresentador acusado de assédio — nem se exalta o empoderamento feminino, abraçado pela personagem de Jennifer. A atriz de Friends, aliás, carrega nas costas o seriado, tornando a jornada um pouco menos penosa. Mas só um pouquinho menos.
Já a superprodução See, com Jason Momoa, é uma estranha mistura de Ensaio Sobre a Cegueira com Game of Thrones. Após uma epidemia que dizimou boa parte da humanidade, os sobreviventes ficaram cegos. Centenas de anos se passaram e os humanos, ainda cegos, regrediram e vivem em esquemas tribais, com direito a caçadas às bruxas (de verdade!) e sentenças de morte a hereges: entre tais pecadores, um homem que enxerga (ohhhhh). São tantos elementos estranhos, como pessoas farejadoras e sensitivas, que até os músculos de Momoa exibem uma incrível superioridade intelectual sobre o todo.
Assim como a série sem brilho do jornal matinal, o programa de Momoa — meio de um passado vago, meio de um futuro ridículo — gastou 15 milhões de dólares por episódio. É o valor equivalente dispendido nos capítulos da última e superproduzida temporada de um Game of Thrones. Vamos combinar, isso é um trocado para a Apple, que dispõe de 210,6 bilhões de dólares em caixa para investir em projetos. Mas é também a prova de que nem sempre dinheiro é garantia de qualidade.