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Barry Jenkins sobre ‘Underground Railroad’: ‘História dos meus ancestrais’

Cineasta famoso pelo belíssimo filme ‘Moonlight’ fala a VEJA sobre como foi o processo de desenvolver a nova série do Prime Video

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 Maio 2021, 18h53 - Publicado em 17 Maio 2021, 09h58
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  • Com os característicos óculos de armação redonda e uma voz mansa, o diretor Barry Jenkins, em Los Angeles, se posicionou diante da câmera para conversar com VEJA, via Zoom. Pediu desculpa pelos 15 minutos de atraso: divulgando a série The Underground Railroad ao mesmo tempo que dirige o próximo O Rei Leão, Jenkins está com a agenda lotada por meses a fio. O aparente cansaço não o impediu de ser gentil e de responder com cautela às perguntas da reportagem. Lançado ao estrelato pelo filme Moonlight, que lhe rendeu seu primeiro Oscar, Jenkins agora sai do cinema independente para se aventurar em superproduções milionárias. Caso da série que acaba de chegar ao Prime Video, da Amazon. A trama narra a via-crúcis de uma escrava em fuga nos Estados Unidos do século XIX, em um trem subterrâneo criado pela ficção, mas que faz referência à uma real trilha histórica que existiu na superfície e era amparada por abolicionistas. Confira abaixo a entrevista com o cineasta:

    Há um movimento na TV e no cinema para dar voz a criadores negros, possibilitando uma revisão de narrativas do passado. Foi por isso que se interessou pela série The Underground Railroad? Há um acerto de contas sim, mas para mim, essa é uma história muito pessoal. Sempre quis criar algo do tipo. Queria usar minha voz para dizer algo sobre a história dos meus ancestrais. Quando eu era criança, ouvia falar da Underground Railroad e acreditava que era real, que de fato havia um trem subterrâneo para a fuga de escravos. Mesmo quando me disseram que na verdade a trilha era na superfície, preferi manter a ideia da locomotiva que imaginei na infância.

    Sentiu a relevância de se contar uma história sobre escravidão pelo ponto de vista de uma pessoa negra? Sim, totalmente. Porém, acho que não é uma série sobre escravidão. Claro, a escravidão é parte importante da trama, mas encarei tudo como a história de uma mulher que tenta se entender e encontrar a mãe que a abandonou e fugiu antes dela. Mas sim, é importante narrar tudo isso sendo uma pessoa negra, pois traz uma aproximação com os personagens. Eu via coisas que talvez outras pessoas não enxergariam. Por muito tempo não tivemos o controle sobre o que era contado sobre nós.

    Como abordar a crueldade da escravidão sem melindrar o espectador? Uma dificuldade era balancear a violência. Ela tinha que servir à história e não atacar o público. Decidi que estas cenas seriam poucas, mas reais, pois era minha responsabilidade contar a verdade.

    Havia uma psicóloga no set para ajudar a equipe a passar pelos momentos mais difíceis. Você precisou de atendimento? Sim, mas não foi minha escolha. Ela tinha autonomia e um dia me chamou para conversar. Eu não queria aceitar, mas não poderia trabalhar sem passar pela sessão que se mostrou necessária. Ela percebeu que minha linguagem corporal estava diferente: a história pesou em mim.

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    A série é uma adaptação do livro de mesmo nome de Colson Whitehead. Como foi seu primeiro contato com a obra e o que chamou sua atenção ali? Eu já era um grande fã dele, Whitehead é um escritor fantástico. E como disse, na infância, imaginei uma locomotiva de verdade na Underground Railroad, que é o que ele descreve no livro. Quando soube que essa obra seria lançada, e o tema era esse, antes mesmo de lê-lo eu já sabia que queria adaptá-lo. Percebi também que seria uma oportunidade de me testar e levar minha arte e minhas habilidades para outro nível.

    Como foi filmar em uma fazenda que de fato havia sido escravagista? Interessante. Usamos a casa principal e reconstruímos o local onde os escravos viviam. Ali me reconectei com minhas raízes. Essa é a história dos meus ancestrais. Não sei qual minha origem na África, mas venho de pessoas trabalhadoras, que não podem ser resumidas à palavra escravo.

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    A atriz sul-africana Thuso Mbedu se encaixou perfeitamente no papel. Como foi encontrá-la? Ela enviou um vídeo com o teste da África do Sul – os testes estavam sendo feitos nos Estados Unidos. Depois nos encontramos para conversar e ela foi hipnotizante. Eu vi que seria uma boa escolha, pois a Cora é uma personagem que precisa de uma linguagem corporal marcante. Thuso é uma atriz que diz muito sem precisar dizer uma palavra. Ela fala com os olhos e o corpo, e esse é um talento raro.

    Você veio do cenário indie e agora está envolvido em superproduções com orçamentos exorbitantes, entre elas um novo filme da franquia O Rei Leão. Como tem sido essa transição? Na verdade, não vejo tanta diferença. Especialmente porque trabalho com a mesma equipe desde a faculdade. Estamos amadurecendo juntos. Temos que contar uma história e o orçamento é só um detalhe.

    Pode adiantar algo sobre esse próximo filme de O Rei Leão? Não muito. Só posso dizer que eu achei que trabalhar com realidade virtual seria muito desafiador, mas é, na verdade, o mesmo processo de qualquer outro filme. É como construir uma cadeira. Essa, porém, é uma cadeira mais luxuosa. Mas não deixa de ser uma cadeira.

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