“Ainda não sabemos se vamos dizer sim ou não”, foi o mote repetido exaustivamente ao longo da recém-concluída temporada de Casamento às Cegas: Brasil, reality show da Netflix que causa burburinho nas redes sociais a cada nova edição. Embora os novos episódios não tenham apresentado uma leva de machos-problema tão radioativa quanto a da temporada anterior, não faltou provocação aos espectadores. Dessa vez, eles ficaram incrédulos com a incapacidade de muitos participantes – sobretudo os homens – de realmente abraçar a proposta do programa: descobrir se a conexão emocional é capaz de superar a atração física e, provado que sim, levar a relação adiante através do matrimônio. O objetivo é, afinal, casar pessoas. Esse clima de inconsistência, combinado às usuais fofocas de bastidores na internet, alertou para a possibilidade de os participantes almejarem, na verdade, à fama, e não ao encontro de uma cara-metade. O pragmatismo malandro com que os brasileiros lidam com os realities shows acaba colocando a lógica do dito “experimento” em xeque.
Vamos às evidências desse cheirinho de favas contadas. Na segunda temporada, causou estranhamento o momento em que a carioca Thamara Térez, ao ser confrontada com mensagens de um ex-namorado, confidenciou às câmeras que saíra de um relacionamento de oito anos e logo se jogou de cabeça na nova experiência. Muitos acharam suspeita a rapidez descrita, já que, como é de praxe nos programas do gênero, há certa demora entre a inscrição dos participantes e o início das filmagens, atravessada por um processo minucioso de casting comandado por produtores com fama de exigentes. Já o paulistano Tiago Chapola se apresentava como um homem desempregado de 36 anos, cuja aparente falta de perspectivas suscitou desconfiança nas pretendentes e na então noiva, a participante Vanessa Carvalho. Na quarta-feira, 11, a mineira se pronunciou no Instagram sobre a relação mostrada nas telas – que (perdão pelo spoiler) não deu em casamento. Segundo ela, se apaixonou de verdade, mas Tiago, que passou a se mostrar uma pessoa diferente da que conhecera na fase das cabines, tinha pensado em dizer sim no altar só para “ficar bem na fita”.
Uma comparação resume o modo diferenciado — e espertinho — com que o brasileiro se move em Casamento às Cegas. Enquanto todos os casais da primeira temporada nacional se separaram (seja com o temido “não” no altar, seja depois do fim do programa), na versão original americana os pombinhos Amber Pike e Matt Barnett, e Lauren Speed e Cameron Hamilton já comemoraram um quarto aniversário de casamento – honrando a visão do programa. O desenrolar da edição brasileira é, assim, sintomático da maneira como se conduz e se consome reality shows no Brasil. Aqui, se consolidou uma lógica baseada em colocar, em muitos casos, a busca pela fama em primeiro lugar. O que interessa é ganhar uma vitrine de exposição, não achar uma cara-metade, enfim.
Tal traço foi ganhando força ao longo do tempo, diante de tantos ex-participantes de realities que fizeram sucesso graças à visibilidade na televisão – caso, por exemplo, de Grazi Massafera e Sabrina Sato. Além disso, nos últimos anos parece ter se consagrado a prática de prospectar para o elenco subcelebridades ou pessoas que já têm uma quantidade considerável de seguidores nas redes sociais (os famigerados influencers), e que querem expandi-la para a casa das centenas de milhares, ou até milhões. Eis que a proposta inovadora de um reality de casamento desenvolvida para o streaming foi contagiada pelo jeitinho brasileiro, fissurado pela publicidade individual, tirando o roteiro dos eixos – e se revelando em um túmulo dos matrimônios felizes.