A trajetória do diretor cearense que renovou a comédia nordestina
Após conquistar cinema e TV com o hit 'Cine Holliúdy', Halder Gomes estreia na Netflix com a série 'O Cangaceiro do Futuro'
Quando tinha 5 anos, na década de 70, o cearense Halder Gomes teve seu primeiro contato com o cinema numa pequena sala de exibição no interior do Ceará. Vindo de uma família então sem condições de ter TV em casa, foi lá que ele assistiu ao longa A Fúria do Dragão (1972), produção de artes marciais de baixo orçamento estrelada por Bruce Lee. A paixão pela luta semeada ali levaria, anos mais tarde, à sua conversão em mestre de tae kwon do. Em seguida, tornou-se dono de uma academia de artes marciais em Fortaleza e atacou de dublê em filmes de ação. A trajetória ganharia contornos hollywoodianos com uma guinada inesperada: de lutador, ele se transformou em diretor de produções de grande sucesso no cinema — e agora estende seus domínios à TV e ao streaming.
Filho de um pequeno produtor de algodão de Senador Pompeu (CE) e de uma dona de casa, Halder viu sua família ascender financeiramente aos poucos — o que lhe proporcionou a chance de estudar nos Estados Unidos na juventude. Após bicos em estúdios, aprendeu bastante sobre audiovisual, desde a posição das câmeras até a direção de atores. Anos depois, o faixa preta se dedicou a fazer filmes com dialeto “cearensês”, como ele diz — um linguajar rápido, com gírias e expressões peculiares e espontaneidade singular.
Antes de chegar aos atuais 55 anos, o nordestino criou Cine Holliúdy (2012), sucesso de bilheteria que levou mais de 480 000 brasileiros aos cinemas em 2013, faturando 4,9 milhões de reais. A saga de Francisgleydisson (Edmilson Filho) fala de um homem que luta contra a morte do cinema no interior do Nordeste com a chegada da TV — enredo inspirado na infância de Halder. A trama virou série da Globo e, após duas hilárias temporadas, já tem mais duas gravadas. “É um olhar lúdico sobre um tempo em que eu não entendia por que as pessoas deixavam de ir ao cinema para ver novela na praça, com um sinal ruim que caía toda hora. Era inexplicável para mim”, lembra o diretor. O golpe certeiro daquela história permitiu ao cineasta produzir novos longas rentáveis com toques autobiográficos.
Gomes nunca estudou cinema — cursou administração de empresas. Mas essa falta de formação técnica é, talvez, o maior atributo de um produtor que foge dos manuais para criar tramas com frescor como O Shaolin do Sertão (2016), sobre um amante de filmes de artes marciais, e Bem-Vinda a Quixeramobim (2022), que segue uma patricinha buscando suas raízes no Ceará. Agora, Gomes se aventura pelo drama com o recém-lançado Vermelho Monet, filme protagonizado por Maria Fernanda Candido e Chico Díaz sobre um pintor que perde a capacidade de distinguir cores. No último dia 25, estreou na Netflix com a série O Cangaceiro do Futuro, uma releitura divertida da história de Lampião, o rei do cangaço que virou lenda nacional. Retratando de forma leve um marco violento do passado brasileiro, ele imagina o contraventor mais tolerante e inclusivo.
Determinado a rodar no sertão com atores em sua maioria regionais, o cineasta valoriza suas origens enquanto pinta críticas sociais de forma despretensiosa, ao tratar do desinteresse pelo patrimônio cultural e da ganância que drena recursos dos pobres. “O mais gratificante é ver o poder de uma ideia causar impacto na economia da minha região”, diz.
Com essas histórias cativantes, ele atinge em cheio o coração do público. Boa parcela do sucesso vem da parceria com Edmilson Filho, seu astro desde que se conheceram na academia de sua propriedade. Há uma química evidente na frente e por trás das câmeras. “Muito se fala sobre alma gêmea de forma romântica, mas ela também pode existir na amizade. Halder é minha alma gêmea”, declara o ator. Essa química resultou em um golpe certeiro aprovado pelo público.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822
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