Quando Millie Bobby Brown encarnou a peculiar personagem Eleven pela primeira vez, em 2016, em Stranger Things, o sobrenome Duffer era quase desconhecido na indústria do entretenimento. Nascidos na Carolina do Norte, no extremo oposto de Hollywood, os gêmeos Matt e Ross Duffer chegaram à Netflix de maneira modesta, com produções de pouco apelo na bagagem, a maioria delas curta-metragens. Bastou uma chance para que se convertessem num dos nomes mais badalados da atualidade. Inspirados por obras de Steven Spielberg e Stephen King, entre outras referências dos anos 80, a dupla, hoje com 38 anos de idade, fez da série um fenômeno não só de audiência, como também num ícone indelével da cultura pop.
Descrita por Winona Ryder como uma “relação telepática estranha”, a sincronia dos gêmeos idênticos se reflete no trabalho: os dois costumam escrever juntos em um arquivo compartilhado, completam as frases um do outro e raramente discordam. O cineasta M. Night Shyamalan, que trabalhou com a dupla na estreia para a TV, na série Wayward Pines, chegou a declarar que vê-los trabalhar é como assistir a um “monstro criativo de duas cabeças”, tamanha a sintonia que estabelecem no traquejo de suas histórias.
Nascidos em 1984, um ano depois do período em que se inicia a trama em Hawkins, Matt e Ross cresceram na cidade Durham, e herdaram o amor pelas telas do pai. Cinéfilo de carteirinha, Allen Duffer costumava levar os filhos para assistir aos lançamentos na sexta-feira, uma espécie de ritual familiar quase sagrado. O elefantinho Dumbo era o favorito na primeira infância, mas à medida que cresciam, os meninos se apaixonaram pelas tramas de Spielberg e Tim Burton, que marcam presença no caldeirão de referência sombrias e nostálgicas que transbordam no sucesso da Netflix.
No fervor da animação juvenil, começaram a gravar ainda na infância, com uma câmera VHS dada pelos pais. O primeiro filme foi um terror baseado no jogo de tabuleiro Magic: The Gathering, que já dava pistas do caminho que seguiriam anos depois. Formados juntos em cinema na Universidade de Chapman, os dois tiveram o primeiro roteiro aprovado em 2011, pela Warner Bros. Batizado de Hidden (Escondido, em português), o filme pós-apocalíptico gira em torno de uma família presa no subterrâneo enquanto figuras sombrias rondam a superfície. Há ali temas comuns à Stranger Things, como crianças fofas e teorias conspiratórias sobre o governo americano, DNA também presente em sucessos como o atemporal E.T. de Spielberg. Na época, porém, o estúdio considerou que o filme não tinha potencial comercial, e acabou lançando direto em vídeo, sem que os irmãos tivessem uma chance no cinema.
Com a confiança abalada, eles acharam que aquele seria o fim da carreira, mas Shyamalan se encantou com a obra e convidou ambos para uma parceria criativa na série Wayward Pines, exibida entre 2015 e 2016. O trabalho foi o empurrão que faltava para que eles retomassem os planos, que acabou dando bons frutos: Stranger Things veio pouco depois, descrito por eles como algo similiar a “uma adaptação de Stephen King dirigida por Spielberg”. Ironicamente, os gêmeos acabaram chegando mais perto disso do que previam: com o sucesso arrasa quarteirões de Eleven e companhia, a Netflix anunciou, no ano passado, que os Duffer irão produzir, junto com Spielberg, a série Talismã, uma adaptação do livro de 1984 escrito por King e Peter Straub. É um sonho virando realidade.