Bastou apenas o trailer de Milagre na Cela 7, filme turco que se tornou uma sensação improvável na Netflix, para eu logo pensar: só pode se tratar de uma sessão de tortura. Quanto mais ele subia no ranking de popularidade da plataforma no Brasil, mais eu me via obrigada a assisti-lo. Só para esclarecer: parte do trabalho da editoria de Cultura de qualquer revista ou jornal é ver de tudo um pouco, para indicar aos leitores o que vale ou não seu tempo e dinheiro. Assim, me livrei dos preconceitos iniciais e apertei o play.
Remake de um filme sul-coreano, o filme apresenta Memo (Aras Bulut Iynemli), um homem com deficiência intelectual muito próximo da filha Ova (Nisa Sofiya Aksongur), com quem tem uma relação mais de amizade que de autoridade. Ova quer uma mochila que outra garota, filha de um comandante do exército, adquire antes. Ao vê-la com o acessório em um evento de família ao ar livre, Memo segue a garota, que o provoca em uma espécie de brincadeira. Nesse jogo, contudo, a criança escorrega em pedras íngremes, bate a cabeça, cai e morre. Memo a leva de volta à família, aos prantos, e, claro, é acusado injustamente de matar a garota. Os eventos dessa sinopse básica se desenrolam lentamente ao longo de 30 minutos da produção, período completado pelas muitas violências que Memo sofre na prisão – em uma delas, tem até os ossos quebrados. Pouco depois (ele se recupera rápido), Memo conquista amigos detentos, todos presos na cela de número 7 – de onde vem o nome do filme.
https://www.youtube.com/watch?v=C8Tal1RHJcM
Me senti agredida a cada cena dessa primeira parte. O roteiro é moroso e óbvio. Tirando a garotinha-protagonista, o restante do elenco é caricato e constrangedor. A violência, apesar de não ser filmada de forma explícita, é gratuita. E, para meu pesar, quando apertei o botão de pausa da Netflix, ainda faltava mais 1h30 de filme. Eu não queria ir até o fim. E não fui, confesso.
Quanto mais eu tentava entender o apelo de Milagre na Cela 7, mais ele subia no ranking da Netflix. Passou o último fim de semana, aliás, no primeiro lugar. Busquei nas redes explicações para entender a popularidade do filme e encontrei adjetivos como “lindo”, “sensível” e “emocionante”. Oh, dor: algumas pessoas pediam estatuetas do Oscar para o filme e seus atores.
Fiquei preocupada. Será que eu deveria questionar minha sensibilidade? A quem interessar possa, no mesmo fim de semana, chorei vendo a série This is Us e vídeos de pessoas recuperadas do coronavírus. Então descartei o possível problema da frieza.
Como Milagre na Cela 7 caiu no gosto do brasileiro e por aqui fez morada, ainda é um mistério para mim. O que não me choca, na verdade, é a velha linha que divide a soberba dos críticos especializados do gosto popular. Os filmes de maior bilheteria no cinema e o próprio ranking da Netflix provam muitas vezes a distância entre um e outro. São raros os casos – como o filme Coringa, no ano passado – que conseguem quebrar as barreiras de sucesso de crítica e de público.
Ao observar os títulos mais assistidos da Netflix, porém, fica fácil entender seus irresistíveis apelos. São produções que atingem emoções básicas, caso de comédias besteirol que provocam riso descompromissado, ou reality shows sensuais que dispensam explicações, e até mesmo um filme turco com 2h12 de puro sofrimento e um final espirituoso (sim, eu li o final em sites de spoilers por aí). É um longa embalado para quem quer chorar. Existem, sim, outros títulos melhores no catálogo da plataforma que também provocam lágrimas. Mas, se você quer se debulhar com a produção turca, não serei eu a insensível a dizer não.
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