Famoso nos Estados Unidos graças ao tradicional humorístico Saturday Night Live, Jason Sudeikis voltou ao palco do programa de TV recentemente como convidado de honra. Munido de prestígio e duas estatuetas do Emmy, o ator de 46 anos colhia os louros de Ted Lasso, série da Apple TV+ protagonizada e produzida por ele — e, sem dúvida, uma das melhores do ano. A trama acompanha o personagem-título, um treinador de futebol americano (aquele esporte com bola na mão e muito bate-cabeça) contratado para conduzir, em Londres, um time da primeira divisão de futebol (o tipo tradicional, jogado com os pés, de que o brasileiro gosta). Sua inadequação para o emprego causa celeuma entre os jogadores, mas logo o imbróglio é ofuscado pela personalidade luminosa de Lasso, um homem amável, sonhador e que exala otimismo. “Não sei como a série se tornou um hit”, disse Sudeikis no Saturday Night Live. “É surpreendente, pois o roteiro é baseado em duas coisas que os americanos odeiam: futebol e gentileza.”
A piada ácida acerta não só os americanos, mas boa parte do planeta. Com a polarização política mundial e a rispidez humana turbinada pelas redes sociais (incluindo o Brasil), a gentileza, o altruísmo e a honestidade se tornaram artigos de luxo, seja na vida real ou na ficção. Não por acaso, as séries dos últimos anos projetaram figuras como Walter White, o professor de química convertido em traficante vivido por Bryan Cranston na ótima Breaking Bad, ou a família de bilionários em guerra de Succession. Em meio a tanta maldade e gente ambígua, Ted Lasso se revelou um exercício virtuoso de roteiro. A série parte do mesmo princípio das tramas sobre anti-heróis: ninguém é totalmente bom ou mal. Mas, sem parecer ingênua ou adepta da tal “positividade tóxica” (outro distúrbio amplificado pelas redes), ela extrai da premissa uma conclusão esperançosa: ser bom e justo não é uma escolha tão difícil quanto parece.
This Is Us – 1ª Temporada
Only Murders in the Building: Screenplay
Ted Lasso não está sozinho nessa missão aparentemente inglória. Séries como a graciosa Emily em Paris, da Netflix, a divertida Only Murders in the Building e a folhetinesca This Is Us, ambas do Star+, reforçam a onda das chamadas produções feel-good — aquelas tramas leves capazes de reconfortar os espectadores. Para além do escapismo, elas semeiam a ideia de que o ser humano tem jeito, sim, e que sua transformação reside nas relações calorosas entre as pessoas e no desejo de mudar para melhor — ou ajudar os outros a fazê-lo.
Faz parte da cartilha da ficção dar respostas às aflições de cada tempo. Diante da Grande Depressão, a Hollywood dos anos 30 acenou com o gênero batizado de screwball comedy, ou comédia maluca, embalado para arrancar risos descomprometidos da plateia. No mesmo período, faziam sucesso também os filmes do cineasta ítalo-americano Frank Capra (1897-1991) — um defensor do valor das pessoas acima do apego aos bens materiais, como prega o clássico Do Mundo Nada Se Leva (1938).
O universo “capriano” é o legado abraçado pela leva de séries do conturbado século XXI. Em Emily em Paris, que ganha segunda temporada em 22 de dezembro, a protagonista do título, vivida por Lily Collins, deixa os Estados Unidos rumo à França, onde encontra novos desafios, amigos e algo parecido com uma família — isso tudo, claro, após a quebra de várias camadas de arrogância tanto da moça quanto dos franceses ao seu redor. As diferenças também são superadas no divertido trio de estrelas de Only Murders in the Building. Os personagens setentões de Martin Short e Steve Martin se aliam à jovial Mabel (Selena Gomez) para produzir um podcast de crime real enquanto investigam uma morte no prédio onde moram.
Emily In Paris: Recipes for When You’re Alone in Paris
A pandemia provocou surtos de bom-mocismo até em séries já estabelecidas e movidas a conflitos ruidosos — caso da pop This Is Us. O drama familiar foi reformulado na quinta temporada, resolvendo rápido uma briga homérica entre os irmãos Randall (Sterling K. Brown) e Kevin (Justin Hartley). Em tempos ásperos, fazer o bem — mesmo que só na ficção — pode ser uma boa receita de sucesso.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767
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