Uma mulher negra se torna best-seller e vai ao encontro de produtores de Hollywood para negociar a adaptação de seu livro. Na reunião, com homens brancos, ela descobre que o plano não é exatamente uma adaptação cinematográfica comum, mas uma versão em realidade virtual que fará o espectador viver um dia na pele de uma mulher negra. Chocada com a proposta, ela responde que a ideia é nada mais que um manual grotesco na linha “racismo para idiotas”. Mas não adianta reclamar, ninguém mais pode escutá-la ali. A voz é a primeira parte de seu paulatino desaparecimento no episódio A Mulher que Desapareceu, da minissérie Rugido, lançamento da Apple TV+. Protagonizado por Issa Rae, o capítulo transita pelo mistério que tornou a jovem autora invisível e inaudível para aquele mundo – em desespero, o espectador imagina como é ser alguém que não é ouvido, nem visto. Seria assim um dia na vida de uma mulher negra? A resposta é sim.
Baseado no livro de mesmo nome de Cecelia Ahern, a série, com oito episódios, narra, em cada um deles, uma história distinta sobre mulheres e suas aflições cotidianas, desde o racismo, passando pela maternidade e pela dependência emocional, até os dilemas de uma personagem que, enquanto lida com a mãe, que tem demência, começa a comer, literalmente, fotografias – o estranho ato a faz reviver memórias que ela tem medo de perder. Ao misturar as idiossincrasias da condição feminina com fantasia e ficção científica, a série faz lembrar a popular Black Mirror – mas com desfechos bem mais esperançosos que a distopia tecnológica da Netflix.
Num dos episódios mais interessantes, a atriz Betty Gilpin interpreta uma bela mulher que topa ser o “troféu” de um homem muito rico. Para isso, ela é colocada, também literalmente, num suporte na parede, onde pode ser admirada por ele e seus visitantes sempre que o homem quiser. A trama faz alusão às mulheres que desaprendem a andar com as próprias pernas, dependendo emocionalmente e financeiramente de seu cônjuge. Um curioso retrato de um tipo de mulher costumeiramente tratada com desprezo até pela ficção.