Nesta quarta-feira, 15, no mesmo momento em que o Jornal Nacional transmitia notícias relevantes como a liberação do registro de uma vacina contra o Covid-19, o Flamengo vencia o Fluminense por 1 a 0 e levantava a taça de campeão carioca. Teoricamente, a provável solução para a pandemia de coronavírus deveria atrair mais a atenção do público que uma partida de futebol. Só que não. Transmitida pelo SBT, a partida contabilizou um empate na casa dos 26 pontos de ibope no Rio de Janeiro, com ligeira vantagem de 0,1 ponto da emissora paulista sobre a Globo. Durante o Jornal Nacional, a rede de Silvio Santos atingiu a liderança às 21h15, por 27 contra 25 pontos – foi a primeira vez em cinco anos que o principal telejornal do país viu sua audiência ser ultrapassada no Rio. Em 2015, o JN perdeu para alguns capítulos da novela bíblica Os Dez Mandamentos, da Record.
A casquinha que o SBT tirou da Globo não é meramente uma briga de audiência. Ela escancara também que existe aí um valioso ativo para as emissoras e também para os clubes: os direitos das transmissões esportivas. Não à toa, é um tema que envolveu até o presidente da República, Jair Bolsonaro, que editou a controversa Medida Provisória 984/2020, estabelecendo aos clubes 100% dos direitos de transmissão. Como resultado, a Globo rescindiu o contrato de direitos de transmissão do campeonato carioca, alegando quebra de exclusividade.
A final da Taça Rio, transmitida na semana passada no YouTube, no canal FluTV, já dava um indicativo do interesse do público pelo futebol. Depois de quase três meses com os campeonatos do mundo inteiro suspensos por causa da pandemia, o jogo teve 3,5 milhões de espectadores simultâneos, batendo o recorde de Marília Mendonça como a live com a maior audiência da plataforma. Os flamenguistas chiaram por terem que assistir à partida no canal do time rival e ouvir uma narração parcial. Mas funcionou e apenas reforçou o que a Globo e os clubes já sabiam: transmissões de futebol desequilibram – perdoem o trocadilho – o jogo a favor de quem as está exibindo. Não adianta ter o melhor jornalismo do Brasil ou uma novela com elenco estrelado: na hora do futebol, o público (especialmente masculino) vai dar preferência a ele, nem que a imagem esteja borrada ou a narração deixe a desejar.
A briga pelos direitos de transmissão dos jogos é antiga. Em 2012, por exemplo, a Record ganhou a exclusividade dos Jogos Olímpicos de Londres, deixando a Globo de fora. O dinheiro investido, no entanto, foi tão alto que a emissora de Edir Macedo percebeu que não compensaria continuar nessa briga. Outra treta histórica ocorreu em 2001, na final da Copa Havelange (equivalente ao Campeonato Brasileiro), em uma partida entre o Vasco e São Caetano. Para provocar a Globo, o dirigente do Vasco, Eurico Miranda, colocou de graça a logomarca do SBT no uniforme do time, obrigando a emissora fluminense a exibir a marca durante toda a partida.
De volta à final do campeonato carioca deste ano, por ser um jogo local, os números de audiência em São Paulo foram mais modestos. Com a transmissão, o SBT chegou à casa dos 11 pontos – mesmo número alcançado nas exibições de capítulos inéditos do tradicional A Praça É Nossa. Enquanto isso, a Globo cravou 32 pontos.
Os números do Ibope demonstram por A mais B o quanto os direitos esportivos são um ativo estratégico no negócio da TV. A perda deles significa abrir mão do público que espera ansioso pelos jogos, independentemente do campeonato, às quartas-feiras e aos domingos. Talvez só agora a esteja percebendo na prática que subestimar esses direitos, até mesmo para ela, é abrir mão de uma massa de espectadores expressiva – e que cada vez mais busca alternativas para ver seus jogos preferidos onde e do jeito que quiserem. Afinal, continua mais atual do nunca a máxima do treinador italiano Arrigo Sacchi: “Das coisas menos importantes, o futebol é a mais importante delas” .