Em dezembro de 2022, após seu canal no YouTube exibir diversos jogos da Copa do Mundo do Catar, o carioca Casimiro Miguel emergia como o dono da bola na internet — pela primeira vez, a Globo dividia esses direitos com um competidor on-line “raiz”. Mas o streamer mirava mais alto: disse numa live que sonhava em apresentar a Olimpíada um dia. O impeditivo à época era a exclusividade da mesma Globo sobre a competição que seria realizada em Paris em 2024. Nos bastidores, porém, o Comitê Olímpico Internacional (COI) desejava que o evento tivesse uma presença mais forte na internet. Enquanto a emissora era a única detentora dos direitos dos Jogos nas TVs aberta e paga, a CazéTV — canal criado por Casimiro em 2022 em parceria com a LiveMode, empresa de mídia esportiva — fez uma proposta ao COI para adquirir parte dos direitos digitais da competição. E assim ganhou a chance de ouro de transmitir os Jogos.
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O lance se revelou certeiro. Com a proposta de fazer uma cobertura mais descontraída, mas ao mesmo tempo profissional, a CazéTV contratou ex-atletas, influenciadores digitais, apresentadores e jornalistas (alguns ex-Globo, caso de Fernanda Gentil), e vem conquistando espaço impressionante no mercado em tão pouco tempo. Só nos primeiros três dias de Olimpíada, foram mais de 500 milhões de visualizações de conteúdo do canal, que já ostenta 14,7 milhões de inscritos no YouTube (veja o quadro). Comercialmente, o espírito informal — estilo também na recente transmissão da Eurocopa — tem feito boa tabelinha com o desejo das marcas. Entre os patrocinadores da CazéTV estão empresas como Havaianas, iFood, Mercado Livre, Samsung e Volkswagen. VEJA apurou que só um dos contratos publicitários rendeu a bagatela de 1,5 milhão de reais. “A linguagem do canal se aproxima do popular, e tudo que uma marca quer é chegar a todos os públicos”, afirma Edu Simon, CEO da agência Galeria.
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Criador e alma do fenômeno, Casimiro Miguel é um carioca de 30 anos, vascaíno roxo, que se tornou referência dos amantes de esportes na internet. Em 2014, enquanto cursava jornalismo, Cazé era só mais um funcionário do Esporte Interativo (atual TNT Sports), trabalhando na edição de vídeos e redes sociais. Com o tempo, conquistou espaço como comentarista esportivo. Mas foi em 2020, em meio à pandemia, que Casimiro viu sua popularidade explodir com lives em que reagia a qualquer tipo de conteúdo, de jogos de futebol a receitas de comida. Teasers dessas transmissões viralizaram nas redes, e logo ele se tornou um ídolo entre boleiros e simpatizantes.
Quando começou a atuar sério no YouTube, o jovem tinha como objetivo aposentar seus pais, para que eles não precisassem trabalhar e não corressem o risco de pegar o coronavírus. Em menos de um ano, o objetivo foi atingido. Hoje, o streamer ostenta ganhos até difíceis de mensurar, mas as estimativas indicam pelo menos 1 milhão de reais por mês, graças a acordos publicitários, monetização no YouTube e na Twitch, além de outros negócios. Num leilão beneficente do Instituto Neymar no ano passado, o youtuber arrematou um lote por 825 000 reais como quem vai ao shopping.
Por trás das câmeras, a CazéTV não se vê como concorrente direta da Globo — por cautela e consciência. Enquanto o canal teve pico de 500 000 telespectadores simultâneos na abertura da Olimpíada, a Globo alcançou 36,4 milhões de pessoas com a rede aberta. Mas na internet o cenário é mais competitivo, com ambas no topo dos assuntos mais comentados da rede X.
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A descontração é um trunfo da CazéTV, mas traz armadilhas. Na transmissão olímpica, uma blogueira criou saia justa ao repercutir uma fofoca sobre duas jogadoras de vôlei. Pegou mal. Mas os deslizes não anulam um fato: o teor escrachado atrai uma parcela de espectadores que a TV aberta hoje pena para atingir. “Estamos olhando para um público que quer consumir conteúdo esportivo de múltiplas formas”, diz Fabio Medeiros, chefe de conteúdo da CazéTV. Tudo indica mesmo que a bola está com a empresa, craque em ascensão no mercado do entretenimento.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904