‘Pantanal’ evita vespeiro de militares ao trocar profissão de estuprador
Personagem interpretada por Rosamaria Murtinho em 1990 e Aline Borges atualmente, Zuleica foi violentada por militar no original e médico no remake
Criticado nas redes sociais por manter o roteiro original de Pantanal praticamente intacto no remake da Globo, Bruno Luperi fez uma alteração curiosa na história de Zuleica (interpretada por Rosamaria Murtinho na primeira versão e agora por Aline Borges na adaptação), a esposa não-oficial de Tenório (Antonio Petrin/Murilo Benício). Em 1990, a personagem revelava ao filho Marcelo (Tarcísio Filho) que havia sido estuprada por um oficial do Exército durante a ditadura militar, e que ele, como fruto dessa violência, não podia ser filho biológico de Tenório. Na mesma cena exibida pelo remake de Pantanal na noite de quarta-feira, 31, entretanto, a narrativa foi alterada: a enfermeira contou ter sido violentada por um médico-cirurgião do hospital em que trabalhava na juventude.
Em 1990, o Brasil ainda vivia uma ressaca da ditadura que tomou o país entre 1964 e 1984. A maioria do povo brasileiro enxergava os militares como vilões, o que justificaria Benedito Ruy Barbosa ter colocado um oficial do Exército não-identificado como algoz de Zuleica. Na trama exibida pela Manchete, a personagem explicava a Marcelo (Tarcísio Filho) e Guta (Luciene Adami) que estava fugindo, junto com uma amiga, de um protesto de estudantes de faculdade contra os militares quando parou para pichar um muro com a frase “faça amor, não faça guerra”. “De repente, apareceram uns homens, pegaram a gente, quase quebraram meu braço. E colocaram a gente num camburão. Quando dei por mim, estava estirada no chão. E um encapuzado em cima de mim, berrando: ‘você não queria guerra, então vamos fazer amor, boneca'”, desabafou a personagem.
Já na adaptação de Bruno Luperi, o relato da personagem de Aline Borges a Marcelo (Lucas Leto) e Guta (Julia Dalavia) foi uma versão completamente nova. Ela era enfermeira em início de carreira e trabalhava em um hospital. Um dos médicos mais renomados do local começou a assediá-la até cometer a violência durante um plantão.
A troca de um militar por um médico foi percebida por alguns telespectadores que acompanharam a versão original de Pantanal. Com isso, a Globo pode ter se esquivado de atribuir um crime tão violento a oficiais do Exército e, assim, evitar controvérsias nas redes sociais. Vale frisar, ainda, que o contexto de ditadura não caberia mais no ano em que o Marcelo atual nasceu (na década de 1990). Mesmo com a mudança, a trama fez questão de jogar luz sobre o fato de que muitas mulheres sofrem assédio e abuso dentro de hospitais.