‘Round 6’ e ‘La Casa de Papel’: o que une os sucessos da Netflix
Críticas sociais rasas, violência e até as máscaras do figurino estão entre as razões da popularidade das duas séries
Um grupo com mais de 400 pessoas endividadas e com históricos comprometedores, muitas delas apostadoras compulsivas, é arrebanhado na Coreia do Sul para um jogo misterioso com prêmio em dinheiro de 45,6 bilhões de won (em torno de 200 milhões de reais). Outro grupo, mais modesto, com nove pessoas, arma um plano aparentemente perfeito para invadir e roubar 2,4 bilhões de euros (15 bilhões de reais) da Casa da Moeda da Espanha, em Madri. Para além das obscenas somas envolvidas, as duas histórias se conectam em outro âmbito: tramas da sul-coreana Round 6 e da espanhola La Casa de Papel, respectivamente, as séries cruzaram as fronteiras de seus países e se tornaram hits de língua não-inglesa da Netflix. Round 6 foi além: está perto de ser a série de maior audiência global da plataforma – recorde hoje detido por Bridgerton, com 82 milhões de visualizações.
É curioso que ambos os títulos tenham se destacado em meio ao abundante e até exagerado catálogo da Netflix, mas não chega a ser uma surpresa – apesar do histórico das duas tramas: Round 6 ficou na gaveta por dez anos, constantemente recusada pelas emissoras; La Casa de Papel foi cancelada na TV espanhola, antes de ser resgatada pela Netflix. Ao combinar figurino marcante, clima de competição, críticas sociais rasas e uma boa dose de violência, elas causam impacto visual e prendem o espectador que quer saber, ao final, o destino dos personagens. Ao mesmo tempo, quem assiste se reconhece, de alguma forma, no tipo que se revolta contra o capitalismo selvagem – e que, para isso, se rende à selvageria.
A moral da história de La Casa de Papel seria minar o poder capitalista de dentro para fora, ao produzir novas notas no assalto à Casa da Moeda. Assim, o grupo não roubaria de ninguém e ainda mexeria com a economia do país ao fazer circular mais dinheiro. Quase um Robin Hood espanhol, só que sem a parte de dar o que é tirado dos mais ricos aos pobres. Já Round 6 tenta seguir a linha do belíssimo filme Parasita, também sul-coreano, ao apontar para os dilemas da desigualdade social e do consumismo. Ao entrar no jogo proposto por estranhos, as mais de 400 almas participantes colocam a própria vida a prêmio. Logo no primeiro episódio, metade morre de forma brutal, em um tiroteio provocado por uma boneca gigante que canta “batatinha 1, 2, 3”. O excesso de violência gratuito se impõe, falando mais alto que a crítica superficial do roteiro.
A cereja do bolo, porém, é algo aparentemente simples: o poder das máscaras e de figurinos marcantes. Apesar da premissa sombria, os jogos assassinos de Round 6 são apresentados em cenários de cores vibrantes, com participantes de uniforme azul e carrascos de macacão vermelho e máscaras que escondem sua identidade. Já o figurino de La Casa de Papel dispensa apresentações – o look vermelho e a máscara do Salvador Dalí foram sucesso até no Carnaval brasileiro.
As máscaras são velhas e boas aliadas da ficção de fantasia. Seja para proteger a identidade de heróis, como Batman e Homem Aranha, ou para dar aos vilões uma aparência mais assustadora. Algumas delas se tornaram tão icônicas que ajudaram a estender a duração de franquias como Sexta-Feira 13 e o assustador Jason com sua máscara de hóquei, ou Pânico e seu assassino de capa preta e máscara branca de boca aberta em forma de grito. Com o disfarce, os rostos por trás podem variar, dando possibilidades infinitas aos vilões.
Para além de serem boas fantasias de Carnaval e Halloween, estas máscaras que caíram no gosto da cultura pop são um valioso recurso psicológico. Treinado para analisar e reconhecer faces e suas expressões, o cérebro humano se amedronta, e com razão, diante de alguém mascarado, que não oferece nenhuma informação sobre sua identidade – e, logo, não será responsabilizado por seus atos. Anonimato é poder. E os mascarados da ficção sabem disso.