O policial Axel Foley (Eddie Murphy) tem um jeito bem particular de resolver os casos que caem em suas mãos: brincalhão e carismático, ele faz piadas a todo momento (até quando não deve), assume disfarces inusitados e se envolve em tiroteios e perseguições que causam danos catastróficos em viaturas e carros desavisados pelo caminho. Natural de Detroit, cidade do estado americano de Michigan, o detetive de personalidade ímpar é bem conhecido em Beverly Hills, bairro nobre de Los Angeles, na Califórnia, onde se estabeleceu para desvendar o assassinato de um amigo: investigação que, entre 1984 e 1994, o levou a desmantelar três grandes facções criminosas. Essas aventuras foram narradas pelos três filmes da série Um Tira da Pesada, que arrecadou estonteantes 730 milhões de dólares em bilheteria (em valores corrigidos pela inflação). O sucesso alçou Eddie Murphy à fama mundial. E, claro, há décadas havia a expectativa de retorno da franquia cômica. “O roteiro levou tempo para ficar bom, talvez uns quinze anos”, contou o ator americano a VEJA (leia a entrevista abaixo).
Passados quarenta anos da primeira vez em que o policial desbocado pisou na Califórnia, em Um Tira da Pesada 4: Axel Foley, que estreia no próximo dia 3, na Netflix, ele retorna para ajudar sua filha única, Jane (Taylour Paige) — com quem tem uma relação distante —, a desvendar outro caso cabuloso e encontrar um antigo parceiro que sumiu. Apesar de parecida com as tramas do passado, a história conta com um elemento novo e cativante: Axel, assim como seu intérprete, tem mais de 60 anos e quer provar que ainda está afiado para combater criminosos — mesmo que eles estejam dentro da própria polícia.
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Ressuscitar franquias do passado como Um Tira da Pesada pode ser uma faca de dois gumes: se, de um lado, a nostalgia impõe sua força para atrair espectadores — e, claro, lucro —, do outro, o filme precisa provar seu valor para além do aceno aos fãs antigos. Murphy já experimentou esse impasse com Um Príncipe em Nova York 2, lançado em 2021 pelo Prime Video, da Amazon: a sequência do longa de mesmo nome, de 1988, passou longe da ousadia irônica do original. Com a nova empreitada, Murphy aprendeu a lição: para resgatar clássicos, daqueles que marcaram época na global Sessão da Tarde, uma boa história é obrigatória — e deve honrar a fonte de onde saiu. Fórmula que, então, se torna imbatível.
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Antenadas — e munidas de dados provenientes de seus algoritmos, que reúnem os gostos de milhões de assinantes —, as plataformas de streaming adotaram a receita como parte de sua estratégia. A Netflix, por exemplo, não demorou em perceber o potencial de Cobra Kai, websérie do YouTube que ganhou vida e popularidade ao ser adquirida pela plataforma em 2019. Continuando a trama da trilogia de filmes Karatê Kid, de 1984, a série tem como trunfo o resgate e a redenção de Johnny Lawrence (William Zabka) diante de seu antigo rival, Daniel LaRusso (Ralph Macchio), mocinho treinado pelo mestre Miyagi (Pat Morita, morto em 2005). Em 2022, a quinta temporada foi uma das mais vistas do ano da Netflix, somando 16,7 bilhões de minutos de reproduções. A sexta e última fase chega ao canal no dia 18 de julho. Na era do streaming, outro advento curioso ocorre: conforme ganha popularidade, Cobra Kai atrai novos espectadores, fazendo com que as primeiras temporadas voltem ao ranking de mais assistidas – assim como os filmes, mantendo aceso o interesse por esse universo. O mesmo fenômeno é esperado para os próximos dias, quando o desejo de rever os primeiros Um Tira da Pesada deve tomar os assinantes da plataforma.
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O cinema também quer sua fatia desse bolo. Recentemente, os atores Will Smith e Martin Lawrence provaram, mais uma vez, o sabor do sucesso longevo de Bad Boys, com o quarto filme da produção iniciada em 1995. Bad Boys: Até o Fim, outro que mistura ação e comédia, alcançou o topo das bilheterias americanas e brasileiras no início de junho. O resultado colocou a série protagonizada por dois detetives durões no clube das franquias bilionárias de Hollywood — e mostrou que Smith foi mais do que perdoado pelo infame tapa dado por ele em Chris Rock no Oscar de 2022.
Esse potencial lucrativo fez com que Michael Keaton voltasse ao figurino listrado que usou em 1988 para Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, que chega aos cinemas em setembro, retomando a parceria com Winona Ryder e o diretor Tim Burton. Em busca de um novo público, o elenco recebe de braços abertos a jovem Jenna Ortega — a estrela de Wandinha, da Netflix, outro hit que se apoiou em um clássico, no caso, A Família Addams. O fundo do baú nunca foi tão produtivo.
“Sou o mesmo ator de antes”
Aos 63, Eddie Murphy fala a VEJA do desafio de retornar a Um Tira da Pesada quarenta anos após o original.
A ideia de reviver a franquia já existe há alguns anos. Por que agora deu certo? O roteiro levou tempo para ficar bom, talvez uns quinze anos. Fizemos cerca de oito rascunhos e esse aqui saiu porque finalmente tínhamos uma boa ideia.
Nos anos 1980 e 1990 a série foi bem no cinema. Agora, sai pelo streaming. Qual a diferença? A Netflix comprou os direitos da Paramount e quis desenvolver o projeto. A diferença é que muita gente tem Netflix e mais pessoas verão este filme, o que me deixa feliz.
O que mudou em Eddie Murphy em quatro décadas? Tanta coisa. Eu tinha 21 quando fiz o original, agora sou um avô de 63. Sou o mesmo ator de antes, mas uma pessoa diferente.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899