Xógum e mais: as produções que revelam ao mundo talentos made in Japan
Indicado ao Emmy, Hiroyuki Sanada puxa a fila de excepcionais atores nipônicos que conquistaram Hollywood sem abrir mão da língua nativa
Quando recebeu o convite para interpretar o lorde Yoshii Toranaga na série épica Xógum: a Gloriosa Saga do Japão, o ator Hiroyuki Sanada tinha algumas condições para aceitá-lo: ele assinaria como produtor, japoneses seriam contratados para trabalhar na frente das câmeras e nos bastidores e a história evitaria estereótipos sobre a nação oriental. As imposições foram acatadas e proporcionaram um resultado além de qualquer expectativa do estúdio FX: o drama disponível no Disney+ e baseado no romance homônimo de James Clavell, de 1975, foi recordista de indicações ao Emmy 2024, concorrendo em 25 categorias na premiação que ocorrerá em setembro. A lista inclui a de melhor ator de série dramática para o próprio Sanada, que chega pela primeira vez ao Emmy aos 63 anos, embora ostente uma carreira de primeira grandeza há quase cinco décadas.
Xógum: A Gloriosa Saga do Japão – James Clavell
O reconhecimento do astro japonês não é isolado: parte de um movimento de Hollywood que clama por mais diversidade após uma eternidade olhando apenas para o próprio umbigo americano. Além do intérprete do samurai que luta para sobreviver em meio a uma guerra civil e política entre senhores feudais no século XVI, outros atores também têm caído nas graças do público mundial, como Koji Yakusho, de Dias Perfeitos (2023), e Hidetoshi Nishijima, astro de Drive My Car — vencedor do Oscar de melhor filme internacional em 2022 — e da série Sunny, nova comédia dramática de ficção científica da Apple TV+. Curiosamente, nenhum deles precisou abrir mão de sua língua nativa para fazer barulho pelo mundo, tornando-se a geração de atores japoneses mais prolífica desde Toshiro Mifune (1920-1997), de filmes do aclamado diretor Akira Kurosawa (1910-1998) nas décadas de 1950 e 1960. Por coincidência, aliás, Mifune também fora indicado ao Emmy em 1981, na categoria de melhor ator em minissérie pela primeira adaptação de Xógum — mas não levou o prêmio.
Homens sem mulheres – Haruki Murakami
Nos três casos, chama atenção outra peculiaridade em comum: muito antes de ganhar os holofotes globais, esses talentos já tinham carreiras consagradas no Japão — e os três têm mais de 50 anos. O empurrão de um filme premiado ou de um sucesso do streaming ajudou a torná-los rostos universais. Concebido com um orçamento humilde, de 14 milhões de dólares, Dias Perfeitos, de Wim Wenders, arrecadou 25 milhões de dólares em bilheteria mundial e recebeu uma honrosa indicação ao Oscar de filme internacional na última edição do prêmio. O filme conta a história de Hirayama, um faxineiro que passa os dias limpando banheiros de arquiteturas magníficas em Tóquio e vive uma rotina metódica de leitura e cuidado com as plantas. Uma trama singela que ganha relevo magnífico graças à atuação do protagonista, capaz de dizer tudo com seus olhares e expressões. Yakusho, que já havia atuado em produções americanas como Memórias de uma Gueixa (2005), ganhou o prêmio de ator em Cannes neste ano pelo trabalho com Wenders.
Hidetoshi Nishijima também viu seu nome crescer após Drive My Car causar sensação no Oscar. A série Sunny é um belo fruto disso: ambientada numa Tóquio futurista, ela narra a história de uma mulher (Rashida Jones) que recebe de presente uma robô de suporte emocional após o marido e o filho desaparecerem num acidente aéreo. Se em Drive My Car ele vive um diretor de teatro e ator que precisa lidar com a morte da esposa e a descoberta de que ela o traía antes de morrer, na série da Apple TV+ a jornada de seu personagem é distinta: uma reflexão sobre os perigos da inteligência artificial e suas implicações no mundo real — papel que aceitou por não precisar deixar o Japão, já que a produção foi rodada lá. Morador de um país conhecido por sua expertise em tecnologia, o ator disse a VEJA que a cultura japonesa busca, desde sempre, a harmonia entre as duas coisas — algo que deveria servir de exemplo para o mundo. “As pessoas que vivem aqui tentam encontrar uma nova forma de equilibrar a vida com a tecnologia”, afirma.
História do Cinema Japonês – Maria Roberta Novielli
O engajamento desses atores atrás das telas é uma característica que faz diferença. Pesou totalmente a favor de Xógum a participação ativa de Sanada na produção da série, por exemplo. Seu objetivo era não só transpor para a TV uma história autêntica e respeitosa sobre seu país, mas também pavimentar o caminho para outros rostos nipônicos. “Espero que os jovens atores japoneses tentem chegar cada vez mais ao mercado mundial. Eu gostaria de fazer uma ponte para eles, e é por isso que Xógum será um grande passo para nossa nova geração”, declarou recentemente. Os talentos made in Japan conquistaram Hollywood — e o espectador é que sai ganhando.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903