A volta do fantasma Bolsonaro
Ao trabalhar pela anistia a Bolsonaro, Arthur Lira ajuda o governo a reabrir pontes com eleitores insatisfeitos e bagunça a sucessão na Câmara

A decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira, de desenterrar as propostas que anistiam os golpistas de 8 de janeiro e anulam delações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro são as melhores notícias que o Congresso deu ao presidente Lula em meses. Ao assumir que a agenda bolsonarista, Lira permite ao governo recuperar pontes com setores insatisfeitos com Lula, mas que odeiam Bolsonaro ainda mais. Lira está trazendo a polarização para a sua sucessão na Câmara.
Vista pelo ponto de vista das redes sociais e das mesas de jantar com uísque de Brasília, a iniciativa de Lira de ressuscitar Bolsonaro parece uma prova de força. Ele traz para si o apoio incondicional dos 100 deputados ultrabolsonaristas e empurra o governo para ter de gastar saliva e dinheiro para defender o sistema legal.
Uma avaliação sóbria, contudo, mostra que Lira está transformando sua vida num pântano. Se avançar com a anistia a Bolsonaro. Lira vai obrigar o governo a se juntar a um candidato de oposição a ele na sucessão da Câmara, como o deputado Antonio Brito, do PSD da Bahia. Hoje, Lira tem a chance de decidir quem quiser como candidato. Só que o seu candidato for forjado na anistia de Bolsonaro, Brito passaria a ser um candidato competitivo num arco de aliança esquerda e os partidos que não fazem parte do Centrão.
Além disso, se a proposta realmente for para frente, ele irá reabrir todas feridas com o Supremo Tribunal Federal, incluindo possivelmente algumas investigações que ele gostaria de ver engavetadas. A chance de o STF permitir que os golpistas de 8 de janeiro e o mentor da tentativa de golpe circulem livremente em 2026 é perto de zero.
Mais importante de tudo, a ressurreição política de Bolsonaro só interessa a uma pessoa, o próprio ex-presidente. Os candidatos reais a enfrentar Lula – como os governadores Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema _ querem no máximo de Bolsonaro apareça na TV para apoiá-los. Há uma gigantesca diferença entre dizer em público que apoia Bolsonaro e dar sua vez para o ex-presidente.
Bolsonaro tem apoio fervoroso de milhões de eleitores, mas é odiado por outros milhões. Mesmo com Lula no seu pior momento, seis de cada dez eleitores paulistanos dizem que não votariam em um candidato apoiado pelo ex-presidente, segundo o Datafolha. Na pesquisa Genial/Quaest, Bolsonaro é o político mais impopular do país, com 54% de rejeição. Nos próximos dias, a Polícia Federal vai concluir o inquérito e indiciar Bolsonaro.
Nove de cada dez políticos que frequentam o ex-presidente concordam que o melhor cenário para a oposição é tê-lo inelegível, gerando uma nova aliança da oposição menos radical e mais previsível. Anistiar Bolsonaro seria recuperar a herança da tentativa de golpe e do negacionismo no combate à Covid, estraçalhar o avanço sobre os eleitores desiludidos com Lula e jogar a oposição numa divisão que dá um respiro para Lula.