A autora responsável por levar evangélicos à novela da Globo
Rosane Svartman fala à coluna sobre desafio de escrever ‘Vai na fé’, sua primeira trama solo
Após anos do avanço neopentecostal em diferentes áreas da sociedade, incluindo espaços políticos antes ditos laicos, chegou a vez de uma novela da TV Globo se ajoelhar para o fenômeno religioso em ascensão no país. Caberá a Rosane Svartman o desafio de falar com (e sobre) esse público, quase sempre associado à emissora concorrente, TV Record. Em Vai na fé, que estreia nesta segunda-feira, 16, o núcleo central é formado por uma família negra e periférica. Depois do sucesso de crítica e audiência com Bonsucesso, assinada com o igualmente talentoso Paulo Halm, Rosane promete doses de romantismo, mas sem caretice no horário das 19h. Na trilha sonora, charme e funk melody dos subúrbios cariocas. A seguir, o bate-papo com a autora, dona de um dos melhores textos teledramatúrgicos da atualidade.
Por que escolheu falar de evangélicos agora? Meu lado pesquisadora me deixou curiosa para saber quem são as pessoas por trás das estatísticas. Se a gente tem uma família, periférica, preta, multigeracional, não seria estranho essa família ser evangélica. É um tema ou uma característica? Uma novela com esse nome, Vai na Fé, remete a um valor importante aos brasileiros. 99% dos brasileiros dizem que têm fé, 90% dizem que tem religião. Como não ter fé numa novela que fala para uma nação?
Foi uma escolha política? Um roteirista sempre tem que tentar entender o que está latente na sociedade, o que a sociedade quer discutir. Eu fico pensando muito nisso, uma novela fala para milhões de pessoas, não é para um grupo, é uma nação! Não à toa, Seu Futuro me Pertence, do Wálter Forster, causou escândalo com um beijo na boca. Nas pesquisas qualitativas, comecei a reparar que, de dez telespectadores, quatro a seis se diziam evangélicas em 2019. Falei: ‘Por que não ter uma personagem para essas mulheres?’ Elas sabem mais de novela do que eu!
Qual é a função social de uma novela? Novela é para se ter um pouco de fantasia, um pouco de escapismo, mas também para pensar, refletir sobre a realidade, para ter assunto, para poder falar nas redes sociais, que amplifica o ‘boca a boca’. A minha estratégia como autora é tentar entender quem são as pessoas por trás dos números, e criar pontes de empatia conversando com várias pessoas que não são da minha bolha.
O título Vai na fé foi ideia sua? É culpa da Renata Correia, uma das roteiristas. A minha equipe é um luxo. E Vai na Fé também mudou de data, era para estrear em janeiro do ano passado, foi para julho, novembro, e para esse ano. Então começar 2023 com Vai na Fé tem tudo a ver, começamos com esperança.
A Globo está se abrindo para os evangélicos. O Altas Horas passou a fazer disputa com cantores gospel. Eu me pergunto se é coincidência ou se o Serginho Groisman também prestou atenção e percebeu o que está latente. Quando eu soube que ia ter o Altas Promessas, fui falando com todo mundo. Não acho que é coincidência, mas também não é estratégia. Apresentei a sinopse, e depois de muitas conversas a emissora aprovou. O poder está no espectador, ele que muda de canal, ele decide se quer ver.
É sua primeira novela sozinha. O que muda na sua rotina? Logo depois de Bom Sucesso, Pepe (apelido de Paulo Halm) foi fazer o filme dele, a gente já vinha de três novelas seguidas. E aí fiquei matutando sobre, durante a pandemia…. Aprovei a sinopse e falei: ‘Pepe, acho que agora vou tentar o desafio de fazer sozinha’. Passaram semanas, meses, e eu estou aqui. As coisas acontecem quando têm que acontecer.