Carnavalescos revelam como Margareth Menezes desfilará na Mangueira
A dupla mantém os temas políticos no carnaval da tradicional verde e rosa
Annik Salmon e Guilherme Estevão estreiam no Grupo Especial pela Mangueira com o enredo As Áfricas que a Bahia canta. A dupla, que estava no grupo de Acesso do carnaval carioca (ela na Unidos do Porto da Pedra; ele na Império da Tijuca), substitui o festejado Leandro Vieira – responsável por enredos bastante elogiados, como o que fez menção a Marielle Franco e a homenagem a Maria Bethania. Annik e Guilherme conversaram com a coluna sobre o enredo deste ano, a relevância de tratar temas políticos na Sapucaí e a presença da ministra cultura Margareth Menezes.
Como funciona o processo criativo em dupla? GUILHERME ESTEVÃO: A Guanayra Firmino (presidente da Mangueira) entrou em contato com cada um de nós visualizando uma dupla, apesar da gente (até então) não se conhecer ou ter trabalho junto. Sobre o processo criativo, a gente decidiu que junto a escolha de referências, que iriam conceituar o desfile. Durante o processo, a gente desenhou junto. O carnaval inteiro foi feito dessa forma. É uma dupla que, de fato, tem o dedo e a pegada em tudo do desfile.
O fato da Mangueira trazer temas políticos, com Leandro Vieira em anos anteriores, gerou alguma pressão? G.E.: Não, porque o enredo da Mangueira esse ano também é político. Só que tem diferença entre ser panfletário, partidário e ser político. O carnaval tem uma essência política, porque é a maior voz cultural do país, a gente precisa refletir as demandas que a própria sociedade levanta. E a Mangueira nunca se absteve nesse sentido político.
Como o enredo As Áfricas que a Bahia canta também traz essa postura crítica? G.E.: A gente traz um enredo que reposiciona o feminino como criadora, como liderança política, como pensadora artística. Quando a gente reposiciona o papel da negritude dentro da construção cultural de carnaval, que é patrimônio mundial, a gente entende esse carnaval negro como um processo de conquista de direitos. De combate à intolerância religiosa, de combate ao racismo, de reposicionamento estético.
Substituir o Leandro é um peso? G.E.: Leandro é um artista que a gente admira, estamos substituindo uma série de artistas que fizeram história na Mangueira e que construíram linguagens visuais. A Mangueira, ao longo desses anos, se identificou com pegada ainda mais social. É uma Mangueira que tem dialogado muito mais com a sociedade.
É uma força política de esquerda nos desfiles? G.E.: A Mangueira é uma escola que se posiciona politicamente. E mais uma vez, não é uma questão é panfletária. A gente discute sociedade. Há um lado voltado a causas sociais, que de alguma forma se identifica com a pauta da esquerda. Mas esse não é um enredo que busca palanque político, mas busca ser um palanque social. A gente questiona uma série de pautas: o racismo, feminismo, questões identitárias negras. Essa é linguagem que a Mangueira vai seguir.
Qual é o limite da política no carnaval? ANNIK SALMON: Tudo depende do enredo. O nosso é uma questão alegre, para cima, mostrando como a cultura desses africanos que chegaram aqui contribuiu para a nossa essência.
G.E.: É entender que é um desfile de escola de samba, não uma passeata. Somos uma das poucas manifestações que conseguem através do campo das artes plásticas e da musicalidade, transmitir o que se está passando.
Annik, o enredo enfatiza o lado feminino da musicalidade baiana. Esta valorização do feminino se dá por algo que parte de você? A.S.: Sim, a presença feminina é marcada desde o início. E muitas vezes as mulheres foram apagadas pela história, mas sempre estiveram presentes, como criadoras, protagonistas e artistas. A gente valoriza essa mulher do início ao fim no nosso carnaval. A Mangueira é uma escola feminina, temos uma presidenta mulher, da comunidade, nasceu no morro da Mangueira, a gente tem várias diretoras, eu, a nossa coreógrafa da comissão de frente…
Como aconteceu o convite para que a ministra da Cultura esteja no desfile? A.S.: Ela está envolvida no processo da Mangueira antes de ser ministra da Cultura. As coisas calharam de uma maneira muito boa. Margareth está com a gente desde o início do processo de pesquisa, quando a gente foi a Salvador. Foi convidada por um dos sambas concorrentes a cantar, e esse samba ganhou. Ela já estava confirmada no desfile quando, meses depois, foi nomeada ministra.
Onde ela vai desfilar? G.E.: Ela é um dos símbolos da musicalidade contemporânea, do carnaval baiano. Vem fechando essa narrativa, representando tantas outras cantoras negras fundamentais nessa luta. Ela marca o elo da Bahia com a Mangueira. Virá vestida nas cores da escola.
Existe a chance dela cantar também? G.E.: Aí eu não tenho como antecipar (risos). Mas foi muito solícita durante o processo todo.
Qual é a sensação de estarem no Grupo Especial? G.E.: O privilégio de estar na Mangueira é gigantesco. É a escola com maior torcida no mundo, é uma nação. As dificuldades existem em qualquer grupo. Mas a maior diferença é justamente na dimensão da torcida. É uma pressão gostosa, que a gente quer transformar em felicidade para a comunidade.