Aos 80 anos, Irene Ravache segue encantando o público com sua presença marcante nos palcos. Com 65 anos de carreira, a atriz escolheu comemorar essa dupla conquista da maneira que mais lhe agrada: em cena. Em conversa com a coluna GENTE, Ravache analisa o atual cenário da teledramaturgia, opina sobre o etarismo na mídia, faz críticas à escalação de influenciadores em novelas e detalha seu espetáculo Alma Despejada, em cartaz até outubro no Teatro dos 4, no Rio.
Como é comemorar 80 anos nos palcos? Estava para fazer 80 anos, e me perguntaram como queria comemorar. Nunca fui muito de fazer festa, era mais de viajar. Aí pensei: por que não comemorar com quem permitiu que eu completasse 65 anos de carreira, que é o público? Hoje mesmo, na rua, uma senhora veio falar comigo de como fez bem para ela ter assistido ao espetáculo. É tão bonito isso, porque é a devolução do público do que você fez.
Por que a senhora está longe da televisão? Porque o meu contrato acabou. Quando o meu contrato acabou, já estava fazendo esse espetáculo, e nunca misturei as coisas. Eventualmente posso fazer teatro e cinema, mas nunca fiz teatro e televisão ao mesmo tempo. Com o cinema dá para encaixar os horários. Depois que terminou o meu contrato com a Rede Globo, fui chamada para dois trabalhos, mas eram incompatíveis com o teatro. Então, continuei com o teatro.
Já pensou no streaming? Não adianta você pensar, alguém tem que pensar em você. Tem que surgir o papel de acordo com meu perfil.
A senhora sente o etarismo na televisão? Temos excelentes autores. Se eles não estão escrevendo para pessoas mais velhas, isso deveria ser perguntado a eles. É uma coisa que fica um pouco acomodada ao mercado. O mercado que hoje não contemplar o idoso, está marcando touca. Primeiro,porque as pessoas estão vivendo mais. Segundo, idoso tem poder aquisitivo muito maior do que o jovem.
Muitas pessoas, especialmente mulheres, buscam cirurgia plástica com a idade. Por que ainda há tanto temor por envelhecer? Não é agradável envelhecer, com tudo que o envelhecimento traz. Mas também não é o fim do mundo. É um caminho que, se você viver muito, vai passar por ele. É preciso ter determinados cuidados, que antes as pessoas não tinham, não tinham porque não sabiam. A minha avó envelheceu, a minha bisavó envelheceu. Elas lidavam com essas mesmas queixas que lido hoje. Elas não tinham, talvez, tantos instrumentos para lidar com isso. Mas também não pode fazer disso uma bandeira. Tem que levar com normalidade, porque, de repente, a minha queixa não é a daquela mulher que está na mesma faixa etária que eu. Me foco muito na velhinha que sou, que posso ser.
Acompanha as novelas atuais? Não, não acompanho. Mas acompanho, por exemplo, e vejo com muito prazer algumas séries brasileiras. Fazemos coisas muito boas, temos atores e diretores excelentes.
O que acha da escalação de influenciadores para novelas? Eles são bons naquilo que fazem, mas são departamentos completamente diferentes. Você não pode confundir pessoas desinibidas com pessoas que têm talento como ator ou atriz. Não estou dizendo que um é melhor do que o outro. São diferentes.
Por que acha que a Globo tem investido nesses influenciadores? As pessoas que hoje ocupam cargos de direção talvez sejam mal informadas a respeito do que se trata. ‘Tem um monte de seguidores, então vamos botar para fazer tal papel’. É de uma leviandade isso. Com a própria pessoa, com os atores e com o público. Porque a pessoa não entrega, não tem como entregar, pois ela não é profissional. Vocês precisam conhecer atores jovens, pois tem muito ator jovem bom. O que torna ainda mais lamentável quando você vê que esse ator bom não teve um papel porque, no lugar dele, entrou uma celebridade. Mas ela é celebridade para quem?
Seria um fenômeno passageiro ou tende a durar? Uma hora vão se tocar. Precisam ter capacidade para ouvir o que as pessoas falam. Apesar de eu não estar fazendo novela, as pessoas falam comigo. Às vezes, tratam o público como se fosse idiota. Esses novos dirigentes esquecem que o nosso público sabe mais de telenovela do que eles, porque eles cresceram dentro de uma coisa chamada grade televisiva que apresentava a novela das seis, das sete e das oito. As pessoas que hoje têm 70 anos, tinham 30, 40, quando isso foi criado. E acompanharam.
Qual é a sua opinião sobre os direitos autorais para atores em reprises de novelas? Na verdade, não foi recentemente, há muitos anos já é assim. É injusto com quem trabalha, mas não sei qual é a solução. Toda vez que a gente esbarra em algo que envolve poder e dinheiro, sabe que demora para quem está do outro lado.
A senhora já comentou sobre ter ficado longe dos filhos por conta do trabalho. Sente arrependimento de ter focado na carreira? Não é ‘focado na carreira’. Porque quando você diz ‘focado na carreira’, parece que tem um ‘plano de carreira’. É diferente da mulher que sai para trabalhar porque precisa. Quando me desquitei, éramos eu e meu filho mais velho. Tinha que sair para trabalhar, para garantir o sustento meu e dele. Mas lamento, porque até os seis anos é muito bom que a criança fique com a mãe, é a pessoa que vai criá-la melhor.
A senhora já falou da relação do seu filho com as drogas. Como foi isso? Meu filho está limpo desde 1995. Hoje é um psicólogo da área da saúde. Tem um site chamado Como Onde Trata, trabalha com famílias. É um trabalho bonito porque, exatamente por ter sido um usuário, ele consegue ter uma abordagem direta com quem precisa de tratamento. O que gosto sempre de dizer é que tem luz no final desse túnel e que a maconha não é essa coisa inofensiva que hoje tentam ver. É uma substância que muda o seu humor. Nem todo mundo vai se tornar um viciado, mas muitos vão se tornar. Então, a pergunta é: você quer arriscar? É um caminho muito doloroso.