No primeiro trabalho depois do premiado A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, Julia Stockler, 34 anos, se prepara para o lançamento de A Cozinha, nesta segunda-feira, 10, no Festival do Rio. A ficção marca a estreia de Johnny Massaro na direção de longas-metragens e faz uma crítica irônica às relações amorosas contemporâneas (no limiar entre as fronteiras de sexualidade). Julia conversou com a coluna sobre a importância do festival, feminismo e o cenário político. E, ao contrário da turma dos isentões, ela vai para o jogo e dá seu recado quanto às expectativas para o segundo turno.
O que representa estrear no Festival do Rio? Eu amo o Festival do Rio, eu já fui para alguns festivais com o Vida Invisível em outros lugares do mundo, mas eu gosto muito de ser brasileira e ter o Festival do Rio, o Festival de São Paulo… São festivais muito bem organizados que, ao mesmo tempo que trazem filmes de fora, valorizam o cinema nacional.Me sinto honrada, é o primeiro ano que um filme meu está aqui.
Qual é a importância de festivais como esse em meio a toda essa turbulência política? É fundamental, porque é um trampolim, uma maneira de se organizar para querer fazer parte, um incentivo direto para formação de espectadores. Eu me lembro, quando era estudante de Cinema da PUC-Rio, corria para comprar a revistinha do Festival e marcar os filmes que gostaria de ver. É um sopro cinematográfico na cidade.
A Cozinha aborda os impactos das normas de gênero. Como essa pauta reflete no cenário atual? É de extrema importância falar sobre isso no Brasil de hoje, um país, em sua grande maioria, conservador. Levantar uma pausa dessa, fazer com que as pessoas pensem suas relações, e por que as relações da infância foram tão transformadas ao longo do tempo, faz com que se possa refletir sobre esse conservadorismo absoluto em termo das transformações artísticas.
E o filme também fala de feminismo. Você é feminista? Eu me considero feminista. Toda mulher que hoje em dia pode votar, escolher a roupa que sai de casa, pode se considerar uma feminista… A maioria dos meus trabalhos carrega o feminismo como pauta, como foi o Vida Invisível. E esse filme é sobre isso também, as mulheres dão a volta nos homens afetivamente, elas se relacionam de maneira oposta aos homens e isso traz potência para o final do filme.
Você já sofreu machismo? Já tive relacionamentos tóxicos com ex namorado, já tive chefe abusivo, já me vi em um festival tendo que lidar com a misoginia dos homens em relação a mim. Enfim, se todo mundo for pensar com calma, já sofreu machismo, toda mulher já sofreu machismo.
Você declarou seu voto no Lula nas redes sociais. É importante que artistas se pronunciem? Eu acho fundamental, é uma responsabilidade social, política, ética e moral, que um artista público, que lida com influência, possa abertamente dar sua opinião. Preciso ter espaço no meu Instagram ou na mídia para dizer o que acredito. Votar no Lula hoje é uma maneira de dizer que tipo de democracia eu acredito. Artista que não se posiciona, por quebra de contrato ou número de seguidores, não é um artista.
Continuar relações ou cortar por causa de divergências entre candidatos políticos? É uma questão muito delicada, tenho familiares que votam no Bolsonaro e são pessoas que eu amo. É uma questão interna, que muitos estão passando: como equilibrar o afeto que existe há tantos anos, com uma mentalidade política? O bolsonarista é uma pessoa que tem falha de caráter, um desserviço social. Enfim, eu posso falar sobre mim, voto no Lula e respeito a diferença. Respeitar o outro, que vota em um candidato diferente do seu, é o princípio da civilidade.
Quais são as expectativas para o segundo turno das eleições? A minha expectativa é que o Lula vai ganhar, a gente precisa estabelecer uma democracia de crescimento social. Eu fiquei chocada com a grande quantidade de pessoas ainda votando no Bolsonaro, me impactou. Mas acredito que o Lula vai ser presidente e teremos paz, incentivo à cultura, à saúde, que são coisas que a gente não teve no governo Bolsonaro.