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Laís Bodanzky: ‘O formato tradicional de família oprime a mulher’

Diretora do ‘Como Nossos Pais’ falou a VEJA sobre o novo longa, família, feminismo e cinema

Por Mariana Oliveira
Atualizado em 29 ago 2017, 12h20 - Publicado em 29 ago 2017, 11h25

Nas imagens dirigidas por Laís Bodanzky, muitas mulheres já foram protagonistas. A jogadora Fernanda, no curta-metragem Cartão Vermelho, por exemplo, representava uma resistência para entrar em um campo machista – o do futebol – no longínquo 1994. Elas também foram destaque no documentário Mulheres Olímpicas, de 2013.

Em Como Nossos Pais, filme que acaba de vencer o Festival de Gramado e estreia nesta quinta-feira nos cinemas, a diretora põe em cena Rosa, uma escritora que quer ser dramaturga, mas deixa suas ambições para ser perfeita aos olhos da mãe, das filhas e do marido, até que a notícia de que o pai que a criou não é o seu pai biológico chega para mudar as coisas. Frustração e questionamento são sentimentos que atingem a personagem – e também a muitas mulheres no mundo –, enquanto tenta se encaixar em padrões ultrapassados de uma perspectiva moderna.

Maria Ribeiro (como Rosa), Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Jorge Mautner, Herson Capri, Sophia Valverde e Annalara Prates estão no elenco da produção, já muito bem recebida no início do ano pela plateia do Festival Internacional de Cinema de Berlim e depois vencedora do prêmio de público no Festival de Cinema Brasileiro de Paris.

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Assim como as vitórias e aplausos, as expectativas para o longa-metragem são grandes. Laís diz que inscreveu a obra para indicação nacional ao Oscar 2018. “Nunca tive um filme com tanta possibilidade de dialogar fora do Brasil”, apostou a diretora, que já embala uma nova produção. Em parceria com Portugal, um filme sobre Dom Pedro I terá a participação do Cauã Reymond.

Confira a entrevista da cineasta a VEJA e assista a uma cena de Como Nossos Pais:

 

Na sua opinião, o modelo tradicional de família se esgotou? Eu acho que sim. Mas isso não significa que a gente mude isso facilmente. O processo de mudança é complexo. Até porque não existe o modelo perfeito. Não combina mais na sociedade de hoje, em que, por exemplo, a gente compreende que é necessário uma sociedade ser igualitária e ter os direitos das minorias também sempre contemplados. O formato de família não corresponde a essa diversidade e oprime a mulher, principalmente. A mulher hoje está vinte passos à frente desse formato tradicional porque a sociedade foi formatada para que essa estrutura familiar funcione muito bem para o homem. Para a mulher, nem tanto. Pode até funcionar. Eu não acho que a família não deva existir, acho que não precisa ser o único formato considerado correto, e qualquer coisa fora disso vista como anomalia. Nesse sentido, acho que (o modelo tradicional de família) tem os dias contados, mas não que isso vá acontecer amanhã.

A opressão de gênero muitas vezes está na própria mulher que não é solidaria a outra mulher. E agora essa solidariedade está brotando

Laís Bodanzky

Você falou uma vez que, como cineasta, sabia que não contaria muitas histórias e por isso precisaria escolher muito bem quais contar. Por que a de Rosa? Claro que não sou tão racional quando escolho uma história. Os temas de alguma forma me emocionam, e fico com desejo de falar sobre aquele assunto. Eu já estava com muita vontade de falar sobre a minha geração. Talvez um pouco provocada pelas brincadeiras que muita gente fazia sobre eu já ter feito um filme sobre a terceira idade, que é o Chega de Saudade, e outro sobre adolescência, As Melhores Coisas do Mundo. Foi uma brincadeira que me fez refletir bastante. Ser mulher hoje, no caso da minha geração, é um momento sanduíche em que os meus pais estão vivos e os filhos já existem, e os papéis ficam misturados. Fui vendo o quanto o tema é sério, importante e totalmente contemporâneo, e percebi que o desejo de falar da minha geração do ponto de vista da mulher não era só meu, mas de tantas outras mulheres – não apenas cineastas. O tema é pauta na sociedade hoje. Existem reivindicações não só no Brasil, mas no mundo. A marcha das mulheres que teve em Washington, por exemplo, o que foi aquilo? Que surpresa! Ou seja, todas as mulheres estão querendo olhar umas para as outras e perceber que, sim, nós somos metade do planeta.

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Rosa, a personagem principal do filme interpretada por Maria Ribeiro, começa a questionar muito a vida dela. A crise por que passa é algo que atinge todas as mulheres em algum momento? Eu acho que sim. Esse questionamento não pertence só à mulher, pertence aos homens, também. É um questionamento natural porque na vida, principalmente quando você forma uma família, você assume compromissos que vão além do seu próprio desejo e começa a viver muitas vezes para corresponder ao imaginário do que é essa família que todo mundo diz que é o padrão. Além disso você começa a acumular funções e, no caso da mulher, a tendência é acumular ainda mais sem nem se dar conta. Talvez esse questionamento que a Rosa faz sobre a vida dela é o que faz o filme universal. Ele está reverberando lá fora de um jeito que, para mim, ficou claro o quanto o tema não é local. Tenho notado que ele é um filme contemporâneo e que propõe debates deliciosos.

No caso da Rosa, a troca entre gerações acontece principalmente com a meia-irmã mais nova. Sim. Essa irmã veio para chacoalhar. E eu sinto que esse diálogo entre mulheres é o que está acontecendo hoje. Tem essa frase que com certeza você já viu, que é “Mexeu com uma, mexeu com todas”. Essa frase, para mim, simboliza uma novidade na história da humanidade, na história das mulheres, porque essa solidariedade é recente. A sociedade foi formatada de tal jeito que a mulher cresce achando que tem que seguir a trilha dela sozinha, e não esticando a mão para a outra que está do lado. Isso torna a vida mais cruel. Essa opressão de gênero muitas vezes está na própria mulher que não é solidaria a outra mulher. E agora essa solidariedade está brotando em pequenas coisas do dia a dia que eu acho que faz toda diferença. Eu até sinto, falando apenas enquanto Laís mulher, que está muito mais gostoso ser mulher hoje do que há cinco anos. E posso dizer mais: está mais gostoso ser mulher hoje do que há seis meses, do que na semana passada.

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Como foi trabalhar com a Maria Ribeiro? Eu defino a Maria como uma mulher com tons, meio destemida. Mas um destemido não como se ela soubesse onde tudo aquilo vai dar. Destemido no sentido de “Eu posso mudar essa história, correndo riscos”. Mudar a história não significa que ela vai melhorar. Mas, a partir do momento em que a gente faz um diagnóstico e as coisas não estão bem, temos que fazer um movimento de mudança. Só que dá muito medo mudar. Poucas pessoas têm esse ímpeto e eu acho que a Maria tem, e que a Rosa tinha que ter também. Fiz esse convite para a Maria emprestar eu ímpeto para a protagonista, o que eu acho que ela fez.

E Jorge Mautner? Como é que surgiu a ideia da participação dele? Eu queria que Rosa fosse de uma família de intelectuais que viveu a contracultura, que viveu um momento fértil de criação e tivesse experimentando coisas pela primeira vez. Uma geração Woodstock que também experimentou formas de viver fora do padrão. E o Mautner faz parte dessa geração, ele é um livre pensador. Assisti sem querer ao documentário do Bial sobre ele, que é interessantíssimo, e tem um momento lindo dele com a Amora, sua filha. Ela conta coisas da infância e como via o Mautner naquele momento. Não que tudo que eles falem ali seja fácil de falar e fácil de ouvir, porém, havia muito amor, e eu queria isso na relação da Rosa com o Pai. Então o Mautner ficou como uma referência, apesar de o personagem do filme ser um perdedor e tudo que o Mautner faz dá certo (risos).

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Ele topou de imediato? Sim. A gente conversou e eu expliquei a forma de trabalhar. Ele estava muito preocupado se tinha que decorar texto. Eu falei que ele podia mexer no diálogo e emprestar alguns dos seus pensamentos que tivessem a ver com as cenas. Então, algumas das frases do filme são do próprio Mautner.

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Na sua opinião, a visão de fora do país sobre o cinema brasileiro mudou desde que você rodou o mundo com O Bicho de Sete Cabeças? Mudou muito. Na época do Bicho, era mesmo o filme do terceiro mundo – uma expressão que a gente nem usa mais, ficou velha. Naquele momento, ele vinha com este carimbo, quando não era “o resto do mundo”. Nesses 17 anos, isso mudou. Mostramos quem somos com a nossa cultura, através da música… Das várias expressões artísticas, e o cinema é muito importante para contribuir para esse imaginário. O Brasil também é a violência, também é a favela, também é o Carnaval. E lá fora as pessoas sempre ficavam um pouco “Ah, filme brasileiro que não fala sobre esses temas? Não deve ser bom”. E o Como o Nossos Pais não é um filme dentro do imaginário do que é Brasil. Conta a história de uma mulher que poderia estar em Berlim ou em qualquer canto do mundo. É uma história universal, e eles receberam sem preconceito. Nós tememos hoje uma política cinematográfica muito sólida através da Ancine (Agência Nacional do Cinema) que fez o nosso cinema amadurecer, e hoje as pessoas olham para cá com curiosidade sobre o que está acontecendo com o nosso cinema.

Aumentou o movimento de mulheres dentro do audiovisual brasileiro? Aumentou. Eu acho que mulheres sempre fizeram parte do audiovisual. Mas no lugar do discurso, que é na escrita do roteiro e na direção, ainda é uma participação muito pequena e desproporcional. Eu acho que com essa tomada de consciência da mulher na sociedade como um todo, as mulheres estão se sentindo mais encorajadas a assumir o discurso e a questionar: por que não têm projetos de mulheres sendo contemplados? Não só reivindicar, como também entender onde é que rolou o filtro. Porque em algum momento existe um filtro. Onde esse filtro aconteceu e como é que a gente faz para mudar? Com isso, novas mulheres estão surgindo nesse espaço importante do discurso.

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