A pergunta do título dessa matéria guiou Christian Gonzatti, doutor na área das Ciências da Comunicação pela Unisinos, numa investigação das representações positivas de personagens LGBTQIA+ na cultura pop, algo cada vez mais recorrente, apesar de decisões arbitrárias no Brasil. Basta lembrar do episódio de setembro de 2019, quando o então prefeito do Rio do Janeiro, Marcelo Crivella, tentou censurar uma HQ da Marvel na Bienal do Rio de Janeiro, devido a um beijo entre dois super-heróis. A seguir, o bate-papo de VEJA com Gonzatti, que está lançando Pode um LGBTQIA+ Ser Super-Herói no Brasil?.
Por que ainda é um tabu a representação da diversidade sexual no universo das HQ?
Todo o sistema da cultura pop acaba acionando disputas em torno de como o gênero e a sexualidade apresenta-se corporificado em personagens. No livro, busco demonstrar como os ideais de fechamento em relação à diversidade sexual não é, também, algo exclusivo do contemporâneo. Há casos da década de 1950 em que personagens dos quadrinhos, como Batman e Robin, foram acusados de influenciar jovens a serem gays e lésbicas – uma falácia, sabemos.
O livro se aprofunda na censura do ex-prefeito do Rio a um beijo gay numa HQ, em 2019. O que aquele episódio fala sobre a sociedade atual?
São acontecimentos que só acontecem devido ao uso dos sites de redes sociais. Ao investigar o caso da Bienal, pude notar como quase uma semana antes do ataque do ex-prefeito à HQ, grupos anti-LGBTQIA+ já espalhavam desinformações sobre a HQ através de uma mensagem replicada muitas vezes no Twitter e no WhatsApp. Por outro lado, teve um efeito inverso ao que pretendia a censura.
A religião é a maior causa da censura quanto a aspectos da sexualidade humana?
O fundamentalismo religioso é, sem dúvidas, um ingrediente do ódio contra a diversidade. Há uma memória cultural latente que ainda remete ao período no qual “bruxas” eram queimadas na fogueira. Quando Judith Butler veio ao Brasil, em 2017, grupos fundamentalistas fizeram uma boneca dela vestida como bruxa e colocaram fogo. Existem grupos que ainda desejam queimar bruxas na fogueira. A bruxa é uma representação daquilo que deve ser punido para esses grupos: LGBTQIA+, feministas, cientistas, indígenas, ativistas negros, comunistas.
Que HQ são exemplos de aceitação do universo LGBTQIAPN+?
Na cultura pop, temos algumas HQs que representam avanços, como as histórias dos Jovens Vingadores. Inclusive, na HQ que gerou a tentativa de censura na Bienal, no início da história, os Jovens Vingadores estão lutando contra um grupo supremacista que utiliza trechos da Bíblia para manifestarem homofobia. Se os grupos que atacaram a HQ tivessem lido, encontrariam mais códigos para criar pânico moral.
Seu livro aponta caminhos contra o ódio e intolerância. Pode dizer alguns?
Um dos caminhos reside no ensino sobre diversidade. Encontramos, no entanto, muitas barreiras para que isso se concretize, incluindo os ataques políticos que ocorrem quando falamos em educação sexual, ensino sobre gênero e diversidade.
Como analisa a importância de séries e novelas abordarem a diversidade?
Foi assistindo à trajetória de um adolescente gay na série Glee, que a minha mãe passou a entender sobre a questão LGBTQIA+ e deu o primeiro passo para que eu percebesse que ela me acolheria: ela sorriu na cena entre o beijo desse personagem com o seu namorado, coisa que antes eu só tinha visto ela fazer com casais cis-héteros.
Como você descreveria um super-herói brasileiro LGBTQIAPN+?
Toda pessoa LGBTQIAPN+ que vive em um Brasil intolerante com a diversidade precisa ser um super-herói. Um dos meus maiores sonhos seria viver em um Multiverso no qual sou um X-Men e frequento uma escola para mutantes em que a Lady Gaga é diretora. Haveria mais espaço para bater cabelo, dar um close, dançar, divertir-se, expressar a sua identidade sem medo de ter a sua vida ceifada!