Premiado diretor argentino sobre Bolsonaro: ‘Muito pouco inteligente’
Em conversa com VEJA, Pablo Giorgelli, no Festival do Rio para divulgar ‘La Encomienda’, fala de política latino-americana e dos desafios do cinema autoral
O argentino Pablo Giorgelli, 55 anos, vencedor de Cannes com o longa Las Acacias, está presente no Festival do Rio com o filme La Encomienda. O diretor conversou com a coluna sobre suas recentes produções, sempre bastante elogiadas, e o cenário político latino-americano – com foco na crise econômica argentina e as eleições brasileiras. No mais recente longa, realizado em 2021, Giogelli conta a história de uma embarcação que tenta ingressar clandestinamente nos Estados Unidos e naufraga em meio ao oceano. Os sobreviventes lutam contra a escassez de água, comida e as mudanças de tempo.
La encomenda fala sobre resistência. Essa é uma palavra que tem sido muito usada aqui no Brasil – com altas taxas de desemprego, números graves de fome, desmatamento. La encomenda traz algum tipo de ensinamento neste contexto? Essas questões não passam somente pelos brasileiros, mas por toda a América Latina, faz muitos anos, não é de agora. Não é algo que tem a ver com um governo, são muitas décadas de crise. Eu me lembro do meu avô, 40 anos atrás, falando que não tinha trabalho, não podíamos sair de férias; meu pai igual… eu igual. Às vezes posso, às vezes não. Isso é quase a realidade do século XX inteiro, agora estamos no século XXI, e não começou bem, parece que vai pior.
O presidente Jair Bolsonaro costuma usar a Argentina como exemplo de país que não deve ser modelo aos brasileiros na questão econômica, incluindo Nicarágua, Cuba, Venezuela. O que você diria a ele? Não me importa, é um comentário muito pouco inteligente, não tem nenhum sentido. Sabemos que na Argentina tem coisas ruins, sabemos que no Brasil também. Isso são comentários de políticos para a torcida.
Mas te incomoda essa comparação? O que eu penso é que se não está bem, então que se resolva os problemas daqui, que também tem muita coisa para resolver. Hoje andei por aqui (pelas ruas da zona sul do Rio de Janeiro) por meia hora, e tinha muita gente na rua, famílias inteiras. Na Argentina também tem, igual aqui. Temos os mesmos problemas. A ideia de nos juntarmos, em vez de nos separar, me parece melhor.
Uma pergunta tipicamente brasileira: Como é a sua relação com o Brasil? Como todo bom argentino, já vim mil vezes. Mil vezes, mil cidades: Florianópolis, Recife, Fortaleza, Araras, Petrópolis, Curitiba. Conheço bastante. Além disso, eu fiz um programa de televisão aqui para o Canal Brasil, Janelas Abertas. Então eu vim muitas vezes e sempre, que eu posso, volto. Gosto muito do Brasil!
Tem acompanhado o cinema nacional? Yes, por supuesto, sim, of course. Eu vejo bastante cinema brasileiro, não só o de agora. É difícil às vezes, porque o mundo mudou, é difícil ver o cinema latino-americano na América Latina. Se você não vai aos festivais, é difícil. Às vezes vejo filmes brasileiros e colombianos na Europa, em Cannes, Veneza… Por isso gosto muito de vir. Quando venho, assisto a muitos filmes, porque não vou poder ver depois.
O streaming tem melhorado essa distribuição? Não concordo. A coisa está muito difícil para certo tipo de cinema, o que é mais independente. Depois da pandemia ficou pior, porque as plataformas tomaram um lugar muito grande, as pessoas não vão tanto ao cinema, as salas desapareceram, e as poucas só mostram filmes com ator famoso. Os autores sempre vão encontrar uma maneira de seguir, mas é difícil ver os filmes. Apesar de ter muitos canais, paradoxalmente, isso não implica que haja mais público para os nossos filmes.
Sinto um certo pessimismo em suas falas. Isso inclui as produções audiovisuais? Eu não queria fazer entretenimento. Grande parte do público prefere filmes com eventos, mudanças rápidas, efeitos a todo tempo. Detesto essa palavra: ‘entretenimento’.
Por quê? Hoje você pode se entreter de várias maneiras, eu não preciso de uma montanha-russa. Essa velocidade, toda essa ansiedade, que todo tempo renovam o estímulo, como um cachorro com uma guloseima, isso cansa. Aí o filme termina e você não se lembra do que assistiu. Meu filme é sempre contra isso. Prefiro que as pessoas se chateiem, quando se chateiam podem pensar.