Uma das mais atuantes historiadoras do país, Mary Del Priore, 71 anos, foi candidata há cerca de um mês à cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL), antes ocupada por outro historiador, José Murilo de Carvalho. Autora de mais de 30 livros, vários deles sobre o período imperial do Brasil, ela perdeu a disputa para Ailton Krenak, que se tornou o primeiro indígena na centenária instituição literária. Em conversa com o programa da coluna, Mary comenta esse movimento de maior diversidade, o que pensa do papel do Brasil na mediação pela paz no Oriente Médio e como entende o atual curso da violência urbana, sobretudo no Rio de Janeiro.
LITERATURA DIVERSA. “Acho fundamental levar a diversidade adiante. Temos jovens autores que têm se destacado. Houve um rompimento e estamos vivendo, através de múltiplas vozes, (essas) visões do Brasil. E inclusive visões do Brasil integrado à África, falando da nossa identidade mestiça. Tudo que é abertura é positivo, é importante que ela seja marcada pela qualidade. (…) Temos que consagrar o espaço das diversidades pensando sempre que tem que vir com musculatura, densidade, trabalho e trajetória”.
ELEIÇÃO PERDIDA. “Mais e mais a ABL vai se defrontar com inúmeros concorrentes que desejam estar nesta grande casa, trazendo as várias partes do Brasil para o Rio de Janeiro. Não me lancei candidata, fui convidada. Eu ali estava representando um grupo que de alguma maneira se sentiu incomodado com algo que acontecia a priori da eleição, que era a indicação de alguém”.
ORIENTE MÉDIO. “O povo palestino está sendo alvo de uma terrível situação. Mas não podemos emulá-lo em um altar, tal como o cordeiro bíblico, para aquietar o Oriente Médio. Acho que vai ser necessário muita coisa. Agora, se o Brasil é um ator internacional para isso, eu acho que não”.
PAZ POSSÍVEL. “Diria que estamos em um momento que a História se faz necessária, não adianta só explicações jornalísticas. É preciso realmente remontar ao Tratado de 1948, pensar que já houve possibilidade de paz. Esquecemos que Israel também estava dividida por ódios internos, até que esse atentado em certa maneira uniu o país”.
VIOLÊNCIA URBANA. “Hoje estamos imbicando verticalmente não só em conflitos, mas em conflitos que nascem pela desigualdade. Moro no Rio, nós temos Hamas em cada uma das comunidades do Rio de Janeiro, inclusive sacrificando a população dessas comunidades. Isso é grave. Quando a polícia entra para matar os bandidos, ela acaba matando gente da comunidade. Estamos replicando no Rio, em dose homeopática, o que estamos vendo pelo mundo”.
CULPA DA CORRUPÇÃO. “Acho um pouco de platitude atribuir tudo (de ruim na atualidade) aos 300 e poucos anos de escravidão. O Rio de Janeiro tem um problema crônico de corrupção política. Os quatro últimos governadores do Rio saíram algemados do Palácio das Laranjeiras e sabe-se lá se esse atual não será. Ele (Claudio Castro) tem todo o perfil para ser”.