Três perguntas para Pedro Almodóvar
Cineasta espanhol fala sobre a relação com a mãe, a vontade de ser pai (já passou), e o legado da ditadura franquista, assunto abordado em seu novo filme
Maternidade é um assunto recorrente na vasta filmografia de Pedro Almodóvar, 72 anos. Freud explica. “Com certeza tem a ver com minha primeira infância e com a relação próxima que tive com minha mãe”, diz o cineasta espanhol, que retorna ao universo feminino e à família em “Madres Paralelas”. Estrelado mais uma vez pela atriz-fetiche Penelópe Cruz (não por acaso, a escolhida pelo diretor para interpretar sua mãe no autobiográfico Dor e Glória, de 2019), o filme estreia dia 18 no Netflix e aborda também a sombria história da ditadura franquista dos anos 80 na Espanha. Por vídeo, Almodóvar concedeu a seguinte entrevista a VEJA:
O que leva o senhor a abordar o tema da maternidade com tanta frequência em seus filmes? Com certeza tem a ver com minha primeira infância e com a relação próxima que tive com minha mãe. Fui criado por mulheres. Quando minha mãe tinha que sair, eu ficava com as vizinhas. Cresci ouvindo essas mulheres. “Volver” (2006), por exemplo, é inspirado nas conversas daquela época. E a maternidade é um tema eterno, dá para fazer mil filmes de comédia, ação e até musical. As mães dos meus filmes nunca são iguais. Em “A flor do meu segredo” (1995) é onde melhor represento minha própria mãe. Retratei uma mulher que vive em briga com a filha. É inspirado na relação dela com minha irmã. Elas entravam em conflito todos os dias, mas sei que se amavam.
Já quis ser pai? Sou de uma geração que pensava que ter filhos em um mundo tão cruel era uma maldade. Mas, quando cheguei aos 40, surgiu uma necessidade intensa de ter um filho com meu sangue. Essa ideia me pareceu absurda, porque era uma incoerência com a vida que eu levava e com a pessoa que sou. Fiquei três ou quatro anos com isso na cabeça, estive a ponto de colocar em prática mas me controlei. Cuidar de seres vivos nunca foi uma possibilidade, não queria nada competindo atenção com meu trabalho. Tenho gatos porque são independentes.
O que te levou a abordar a ditadura franquista no filme? Fazia tempo que queria falar sobre as forças franquistas. É uma questão muito sensível na Espanha. Resolvi tratar da história a partir da personagem da Penélope Cruz, que é uma mulher que herdou a consciência política e social de sua avó, que, por sua vez, viveu a ditadura. Ainda temos gente enterrada em valas comuns e mais de 100 mil desaparecidos. Metade do país, assim como eu, quer pagar essa dívida e outra metade não terá nenhuma reação ao meu filme, porque dirá que ele serve apenas para abrir uma ferida. É um pensamento da direita, mas essa não é uma questão política, é humanitária. O que as famílias dos desaparecidos pedem é um lugar com o nome de seus entes, onde possam deixar flores.