Não existe cerveja grátis
Uma praça pública com fontes de chope aguça salivas nos grupos de WhatsApp — mas, ao contrário da velha propaganda de cartão de crédito, tudo tem preço
Eu estava de malas prontas para me mudar para a Eslovênia. Tão logo compartilhei a novidade aos confrades de um grupo de WhatsApp, o jornalista Paulo Saldaña, amigo de longa data, escreveu:
— O Edison se cansou de buscar bares poucos frequentados na Vila Madalena para ir… Agora encontrou um país pouco frequentado no Leste Europeu para morar!
Restou-me rir, porque realmente a decisão de viver em um país menor do que o Sergipe onde habitam menos pessoas do que a zona sul do município de São Paulo é um tanto esquisita e difícil de explicar.
Mas bastou eu me instalar para que toda a sorte de conhecidos brasileiros — desde aqueles poucos que posso chamar de amigos aos de convivência bissexta que preciso me esforçar para associar nome à fisionomia — passassem a me taguear em posts cata-cliques de teor alcoólico variado mas conteúdo similar: existe na Eslovênia uma praça com fontes de onde jorram cerveja. Cervejas. Diversas cores, sabores, composições, notas de não sei o quê e outros atrativos.
Não raras vezes a marcação facebookiana vem acompanhada de um comentário maroto do tipo “ah, agora eu entendi por que você foi parar aí”, “tá explicado kkkkk” ou “assim eu também quero”.
Depois de muito pensar com meus botões, encarando-os na sufocante situação provocada, é claro, pela protuberância abdominal crescente que denuncia meus gostos etílicos, decidi visitar essa tal praça maravilhosa onde, segundo os baits, funciona uma espécie de Éden telúrico para todo e qualquer apaixonado por uns bons goles da clássica bebida feita com água, malte e lúpulo.
Praça pública com chopeiras: até existe, mas não é bem assim
Chama-se Žalec a cidadezinha — lê-se Jáletz —, conta com menos de 5 mil habitantes e fica no coração da região que é a maior produtora de lúpulo da Eslovênia. Pronto, isto explica o storytelling da tal praça.
Mas tome aí mais um gole, a prosa não para por aqui. A ideia turístico-estapafúrdia veio porque há uns 10 anos saiu para um sortudo morador de Žalec o milionário prêmio da loteria federal. E, à guisa de impostos, os cofres públicos municipais embolsaram um montante nunca antes visto.
Daí prefeito e Câmara resolveram fazer do limão uma limonada — ou do lúpulo uma cervejada. E decidiram criar na praça central a primeira fonte de cerveja de toda a Europa, um investimento de quase 400 mil euros que colocou a outrora desconhecida cidadela no mapa do turismo das blogueirinhas e nos trending topics das redes sociais.
Só que não espere chegar lá e ver um chafariz jorrando o líquido dourado e borbulhante. Também não vislumbre um open bar. O cervejófilo vai encontrar uma modernosa construção a céu aberto com seis chopeiras, devidamente abastecidas com seis cervejas diferentes de produtores da região. Para que as torneiras funcionem, contudo, é preciso posicionar sob elas uma caneca especial, equipada com um chip que libera seis doses de 100 mililitros. E só.
A caneca custa 11 euros e depois fica como um suvenir bacana.
É interessante? É. Mas não é aquele sonho de uma tarde de verão pintado nos reels do Instagram. Tampouco foi a razão que me trouxe para a Eslovênia — em quase seis anos aqui, fui lá somente uma vez.
Desculpe por colocar água no seu chope esloveno.
Siga o autor nas redes sociais:
X (ex-Twitter)
Facebook
Instagram
Threads