Entro em uma butique de luxo, no Shopping Cidade Jardim. Pergunto pela bolsa mais cara. A vendedora explica que a mais cara das caras não há, só importando especialmente. Mas bota luvas e cuidadosamente me apresenta uma bolsa de couro feminina. Linda, não nego. Muito bem feita, à mão. Valor maior que de um apartamento de dois dormitórios, em zona nobre. Perguntei: “Quem anda com um apartamento pendurado no braço?”. A vendedora explicou que não faltavam clientes. Algumas das bolsas caríssimas, daquela e de outras grifes, são disputadas. Clientes entram em filas de anos para ter a sua. Depois de usada, não é simplesmente uma bolsa? As amigas, conhecidas do meio, reconhecem. Como uma senha para um clubinho das chiques. Esse é o segredo das grifes. Funcionam como senhas de introdução ao mundo elegante. Não só para mulheres. Há também relógios e trajes masculinos com efeitos semelhantes.
Quem gosta de uma grife morre por ela. Conhece todas as coleções. Quando vai comprar, é recebido com cafezinhos e em salas especiais. Ou a grife leva a coleção até a casa delas. Também fazem questão de estampar seus nomes nos trajes, tornando a cliente uma espécie de outdoor ambulante. Tudo isso é considerado chiquérrimo.
Mas há uma contradição. Quando dão uma festa, fazem um evento ou mesmo querem se expor nas redes sociais, as grifes costumam optar por quem não usa a marca. Ou melhor, quem só usa comercialmente. Um batalhão de influencers, atores, jogadores, são convidados para exibir a marca em posts, festas regadas a champanhe, shows. A grife sai na mídia. A maioria empresta as roupas (isso até para eventos pessoais dos famosos), monta looks e eventualmente doa algumas peças. Lá vai o famoso, de post em post, mostrando uma suspeita elegância.
“Ser especial é o desejo num mundo onde todo mundo é comum. Ter uma bolsa de tanto valor é um êxtase”
Recentemente, houve uma festa de uma grande grife, da qual eu era cliente. Não fui convidado. Quando comentei com um amigo, ele disse: “Chamaram as pessoas que são a cara da marca”. Caiu a ficha. Eram jovens, famosos, de cabelos arrumados (já perdi boa parte dos meus). Eu não era a cara de nenhum. Mas eles também não eram a “cara” da grife. Por conhecer muitos deles, sei que não compram. Só esperam convites para ganhar.
Agora tento desvendar a seita das grifes. Nas “publis”, investem em um público que não compra. Na esperança de atrair quem compra. Pode ser. Acredita-se que a fama se transmite, assim como antigos aborígines devoravam seus inimigos para adquirir sua força.
Mas uma bolsa terá o mesmo poder dos ossos de um guerreiro abatido? De certa forma, sim. Em noites badaladas e eventos, a grife é reconhecida de longe e seu portador recebe tratamento especial.
Ser especial é o grande desejo em um mundo onde todo mundo é comum. Grifes promovem adoração. Quem não quer? O único problema é que custa caro. Mas já se transformou em uma seita. De fé. Ter uma bolsa de tanto valor nas mãos oferece uma espécie de êxtase.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838