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Walcyr Carrasco

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Eu, repórter esportivo

Às vezes, a descoberta da vocação vem de um jeito improvável

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h18 - Publicado em 12 mar 2023, 08h00

Há algumas coisas na vida para as quais não tenho o menor talento. Futebol é uma delas. Sempre fui o perna de pau. Nas aulas de educação física, eu era sempre o último aluno a ser escolhido para algum time. O capitão rosnava: “Então eu fico com ele”. E lá ia eu atrapalhar o time, andando sem rumo pela quadra, enquanto a bola voava. Quis a vida, entretanto, que eu por um breve instante me convertesse em jornalista esportivo. Eu havia entrado na faculdade (sim, fiz jornalismo) e surgiram vagas para estágio no antigo jornal A Gazeta Esportiva. Na época, uma publicação impressa, hoje edição on-line. Eu e dois amigos então corremos para pegar as vagas. Durante a semana foi tudo ótimo, convivendo no ambiente agradável do jornal, com os experientes. No fim de semana, já sabíamos, cada um cobriria um campeonato. Eu estava disposto a subir de joelhos as escadarias da Sé para ser escalado para uma competição de esgrima ou arco e flecha. Não que entendesse do esporte, mas porque seria mais fácil de me virar. Só tinha um pavor: futebol. Porque de futebol todo mundo entende. Destino é destino. Fui escalado para cobrir um jogo decisivo de futebol amador. Respirei fundo. “Seja o que Deus quiser, mas tomara que ele não queira muito”, pensei.

“Há coisas na vida para as quais não tenho o menor talento. Futebol é uma delas. Sempre fui perna de pau”

Sábado de tarde, lá estava eu num campo de periferia, bloquinho na mão. Uma mãe nervosa me cercou, querendo que eu falasse bem do filho dela, mesmo antes de a partida começar. Eu fiz cara de sabe-tudo. A bola rolou, com toda uma enormidade de gente gritando. Eu, tentando entender alguma coisa daquela correria atrás da bola. Veio o intervalo e uma multidão se atirou em cima de mim, querendo saber o que ia escrever. Eu era da Gazeta Es­por­ti­va, respeitadíssima. Eu respondia com “hum-hum”, para dar a impressão de repórter discreto. E não do asno que eu era. Veio o segundo tempo da partida. Fiquei completamente perdido. Os jogadores corriam para o lado contrário! Até então eu nunca soubera que os times viram de campo! Juro! Não entendia mais nada. Perguntei o que estava acontecendo para a mãe extremosa. Diante de um alienígena, ela ficaria menos surpresa. “Os times mudam de campo”, explicou. Eu respondi com um “ah, é” e fugi para o outro lado do campo, de vergonha. Era o mínimo que devia saber!

Mas… Um time ganhou de 11 a zero. Dizer o que de um jogo desses? Os números falavam por si. Escrevi a matéria, falando dos gols, da vitória, só faltou falar da mãe do jogador. Achei que estava um horror.

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Primeira página, no canto direito! Eu estava na capa, com um texto sobre um jogo do qual não tinha entendido nem um passe. Fui embora da redação do jornal e nunca mais voltei. Já estava sendo olhado como uma promessa. O próximo seria um jogo mais importante. Socorro!

Ainda fui jornalista por muitos anos, em outras áreas. Sempre longe dos esportes! Mas naquela primeira matéria usei lances de imaginação. Eu me perguntava tanto sobre minha futura vida profissional, imaginava, pensava… Desde aquele dia tive certeza de que meu lance era a imaginação. Às vezes as respostas certas acontecem do jeito mais errado.

Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832

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