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Homofobia cotidiana

A discriminação aos gays está nas falas e atitudes do dia a dia

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h55 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00
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  • Eu estava em uma roda de conversa quando uma mulher me perguntou se certo galã de televisão seria gay. Respondi que não sabia, mas, de qualquer maneira, que importância aquilo tinha para ela? “Vou ficar muito chateada se ele for” — respondeu. “Chateada por quê? Que diferença faz na sua vida?” Ela não soube dizer. Era uma sensação. Desvendar a sexualidade de astros e estrelas é um comportamento homofóbico comum. Notícias desse tipo estouram. Antes, isso podia significar o fim de uma carreira. Agora, muitos respondem com um glorioso: “E daí?”. A homofobia se revela nos lugares mais inesperados, como no recente caso do comentarista Leandro Narloch. Ao falar sobre a decisão do STF de que homossexuais podem doar sangue, ele associou os gays à promiscuidade. Diante dos protestos, a CNN Brasil o demitiu. O próprio Narloch se defendeu nas redes sociais — afirmou que tem horror à homofobia. Tenho certeza de que seu ponto de vista foi sincero.

    A força da homofobia estrutural aparece nas conversas, opiniões, atitudes do dia a dia. Muitas vezes, a pessoa não tem consciência de que está sendo homofóbica — embora isso não diminua em nada o fato. Esse comportamento está longe da violência de grupos que espancam gays e transgêneros. Ou de quem defenda essa aberração que é a chamada “cura gay”. Também, ainda, da declaração do novo ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, segundo o qual as universidades promovem o “sexo sem limites”. Ai, ai, ai. A gente sabe: o mundo LGBTQI+ está além dos limites do ministro.

    “A lésbica é sempre associada a estereótipos masculinos. É uma falta de realidade absoluta”

    Expressões homofóbicas permeiam o vocabulário. Um amigo, muito bonito, quando encontrava sua turma, ouvia uma garota murmurar: “Que desperdício”. Sofria com isso. É um modo de falar tão incorporado que passa (quase) despercebido. “Nossa, nem parece.” Não podia ser pior: o que seria parecer gay? Ser efeminado, no caso de um homem? Outra: “Não tenho nada contra, até tenho amigos que são”. Esse “até” é o quê? Uma concessão? Comentário: “Quem é o homem da relação?”. Pior ainda: “Tá igual gay, adora aparecer”. Quer dizer que todo gay dá escândalo? Também já ouvi: “Tudo bem ser lésbica, mas precisa se vestir como homem?”. Querem fiscalizar até o jeito de alguém se trajar? “Ela está masculinizada demais.” “Tá igual motorista de caminhão.” A lésbica é sempre associada a estereótipos masculinos. É uma falta de realidade absoluta.

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    Mas, quando se diz em público, vira piada. Riem. Não só quem disse está sendo preconceituoso. Quem ri também. Alguns falam: “Ser gay tudo bem, desde que não dê em cima de mim”. A frase reflete uma fantasia: a de que todo gay dará em cima de todo heterossexual. Nada mais falso. Fala-se de amor incondicional de pais para filhos. Mas muitas vezes deparamos com uma manifestação assim: “Prefiro um filho morto a um filho gay”. Todas essas maneiras de falar incorporadas ao cotidiano excluem o LGBTQI+ da sociedade. Elas incentivam o suicídio, a violência. Ninguém nasceu preconceituoso ou homofóbico. É algo que se aprende. Tudo o que a gente aprende também pode desaprender.

    Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696

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