
A velocidade do mundo às vezes me atropela. A linguagem muda, e muda rapidamente. É preciso atualizar palavras, expressões. Juro, isso é difícil. Quando era menino, palavras do cotidiano hoje seriam consideradas discriminatórias, racistas, machistas, sexistas, transfóbicas… No passado o termo “traveco” era usado às pampas. É claramente pejorativo. Até hoje em alguns locais discute-se que banheiro uma transexual deve usar. Homem ou mulher? Já se falou em construir um terceiro. Mas também se rebateu: isso seria reforçar a exclusão, como no passado obrigavam os negros a usar banheiros diferentes dos brancos. (Origem do famoso “banheiro de empregada”, ainda presente nos projetos das construtoras, herança discriminatória na sociedade brasileira.) Se a pessoa tem o direito de ser considerada homem ou mulher no papel, de acordo com sua identidade de gênero, pode usar o banheiro correspondente, não é? Mas ainda existe muita confusão em torno. Drag queen, por exemplo, é uma expressão artística, não uma identidade. Trans é perceber-se em um gênero diferente do corpo biológico. Muitos acham que trans feminina é aquela que se operou. Bobagem. Vale como a pessoa se sente e se posiciona na vida. Se você acaba de conhecer alguém que é transgênero ou transexual, talvez tenha medo de se expressar de forma inadequada. A dica: trate a pessoa como ela própria se define. Use os mesmos termos e pronomes que ela usa para descrever a si mesma.
“As pessoas trans ganharam espaço, e um bom passo para respeitar sua identidade é usar termos corretos”
Chame-a pelo pronome correto, que ela usa. E não pelo sexo que lhe foi atribuído no nascimento. E se conheceu o indivíduo antes da transição, não fale sobre isso durante a conversa, não fique perguntando seu nome de batismo, segure sua curiosidade. Enfim, não exponha a pessoa. Imagine as lutas de quem passou a vida se buscando, se adequando, tomando medicações, enfrentando família, sociedade e o escambau. E que de repente tem de dar satisfação de tudo que fez, ao conhecer alguém. Cisgênero é quem se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu. Mas gafes ainda acontecem muito… As trans passam a vida explicando aos antigos amigos que agora são “ela” e não “ele”. A própria Linn da Quebrada, que fez sucesso no BBB anterior, tatuou “ela” na testa. Mesmo assim há quem erre e a chame de “ele”. Se você cometer uma gafe desse tipo, peça desculpas imediatamente. O mundo mudou, a transexualidade ganhou espaço, lugar de fala, lugar na sociedade. Ainda falta muito, principalmente no Brasil, que é o país onde mais se matam trans no mundo. Essas pessoas correm risco de vida. Um bom passo para respeitar sua identidade é usar os termos corretos.
Nada fere mais alguém do que ser chamado pelo que não é. Ser trans costuma ser uma saga. Em geral começa com uma guerra na família e continua em uma batalha na sociedade. Usar as palavras certas é uma questão de respeito, de civilidade. Transexuais estão em um lugar de extrema vulnerabilidade. Usar uma vogal errada destrói toda a construção da vida de alguém.
Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826