Era uma vez, há muitos e muitos anos, uma época em que se pedia desculpas pelo atraso. Até se davam explicações. Hoje, quem vai pegar um avião não tem ideia de que horas realmente vai partir, e quando vai chegar. Os passageiros ficam esperando, esperando… Outro dia, cheguei a embarcar e permanecer uma hora dentro do avião. Sem saber o motivo. Sem ouvir nem sequer um pedido de desculpa. Antes, pelo menos, as companhias aéreas tentavam amenizar com explicações. Hoje, o jeito é engolir o sapo. A gente perde compromissos já agendados. E, principalmente, a paciência.
Médico também é campeão de atraso. Algumas consultas só acontecem uma ou duas horas depois do previsto. A secretária explica que o doutor “teve uma emergência”. Eu devo ser sorteado. Sempre chego quinze minutos antes, no mínimo. Fico sentado enquanto o tempo derrete. Recentemente, tinha uma consulta às 17 horas. Atrasou até as 18. Só que eu tinha um curso às 19. Resultado: meu horário se esfacelou. Não deu tempo de comer. Assisti ao curso de mau humor.
São muitas as categorias que até apreciam o atraso, como tática de trabalho. Shows ao vivo, por exemplo. A gente entra. Senta numa plateia lotada. Espera e espera. O público aplaude. Bate os pés no chão. A certa hora, nunca se sabe quando, o artista se apresenta. Todo mundo perdoa, afinal foram lá para vê-lo. Ao partir, descubro que estou quadrado, de tanto ficar sentado.
“Horário nunca foi um dom do brasileiro. Ninguém aqui acha que quinze minutos é atraso”
A noção de horário nunca foi um dom do brasileiro. Eu lembro que, há décadas, fiz uma viagem de trabalho para a Holanda. No dia que atrasei dez minutos parecia que ia cair o mundo. Holandeses são pontuais, assim como boa parte dos europeus. Eles simplesmente não compreendiam que eu achava um atraso normal. Cá entre nós, ninguém aqui acha que dez, quinze minutos é atraso. Diga isso a um japonês. Cinco minutos em Tóquio é um absurdo!
Tive uma amiga para quem o tempo era absolutamente elástico. Marcava de sair para jantar às 20 horas. Oferecia uma carona. Às 20h45, quando eu ligava, dizia que já estava “chegando”. Às 21h30 explicava que o trânsito estava péssimo. Aparecia às 22h30. Já tinha esquecido da primeira desculpa e dava outra explicação.
Só tem algo pior que um atraso. É não ter horário mesmo. Há empresas que marcam, por exemplo, uma visita técnica. Avisam: “Ele vai chegar durante a tarde, mas não tem horário definido”. É incrível. A gente adia compromissos, desmarca dentista (outra categoria que atrasa). Espera-se a visita técnica por horas. Para muitas vezes ouvir: “O técnico teve um imprevisto, vai ter de remarcar para outro dia”. Dá vontade de engolir o celular de raiva.
Faz falta um pouco da gentileza de antigamente, quando se pedia desculpa, com explicações plausíveis. Ando tão neurótico com horário que outro dia cheguei a um compromisso pedindo mil desculpas pelo atraso. Só então notei que não havia mais ninguém. Eu chegara um dia antes! Pois é, de tanto me preocupar com pontualidade, já virei até motivo de piada.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804