Tudo começa com Natal e Ano-Novo. Um número imenso de pessoas ressurge dos escombros das antigas amizades. Mil promessas de que “este ano vamos nos ver mais”. Conheço gente que passa as semanas de Natal e Ano-Novo peregrinando de endereço em endereço, para cumprir a agenda de visitas. Em noite de Natal, nem jantam. Comem só uma fatia de peru aqui, uma rabanada ali, e, quando chegam em casa, batem aquele prato de macarronada. No Ano-Novo, a agenda é mais complicada, porque inclui uma série de rituais. Rola a sensação de que, se eu não fizer tudo direito, o novo ano será terrível. Velas, cânticos, promessas não faltam. Tenho um amiga que foi levar flores para Iemanjá e caiu num buraco de oferendas feito na areia. Passou o ano indo à fisioterapia. Eu mesmo, ávido por ver os fogos, certa vez degustei o réveillon dentro do carro preso num congestionamento. Bem longe das luzes! Em seguida, vêm as férias, e todo mundo quer viajar para algum lugar provavelmente caro e lotado. Há quem se arrisque em viagens com guia. O turista torna-se uma espécie de cão na coleira, sendo arrastado para monumentos, escadarias, galgando torres. Já cheguei a voar de balão, a entrar em cidade subterrânea. Tenho um joelho que não é lá essas coisas. Em Veneza, fui conhecer o Palazzo Ducale, com uma sucessão de escadarias, sem chance de retorno. Quando vi, estava no calabouço! E para voltar para casa tive de atravessar dezoito pontes, todas com escadinhas para subir e descer. Sempre me admiro: quem viaja quer conhecer igreja, museu, cada canto. A viagem torna-se uma espécie de gincana na qual o turista está sempre correndo, atrasado, tentando dar conta de tudo. Surpresa! Essas mesmas pessoas não fazem tanta questão de conhecer o próprio país. Muitos não vão sequer ao Cristo Redentor. Só querem, por exemplo, garantir um lugarzinho na praia. Boa parte conquista uma cadeira, senta-se, pede uma cerveja e só então descobre que esqueceu o protetor solar.
“Tenho uma amiga que foi levar flores para Iemanjá e caiu num buraco de oferendas feito na areia”
Tenho terror da programação das festas e mais ainda de férias. Ninguém pode ficar em paz porque cada ser humano quer garantir nem que seja uma gota de felicidade própria. E uma pessoa solitária torna-se uma transgressora, que incomoda. “Mas você não vai ao jantar, ao almoço, ao encontro de amigos, à confraternização de inimigos?” Ou: “É sua única chance de subir no pico daquela montanha, vai perder?”.
Se não tomo uma atitude firme e decidida, acontece o que já aconteceu: eu perdido numa floresta da Toscana que nem trilha tinha, e o caminho era algo a ser descoberto através de pedras pintadas. Nunca fui um tipo atlético. E lá se foram 5 quilômetros de subidas, descidas e pânico. Sim, nem trilha havia.
Há um terror extra. Hóspedes. Uma época em que facilitei, tive tantos que teve gente dormindo até na cozinha. Hoje, quando digo que não tem lugar, me consideram um monstro antissocial.
Férias são um risco. A gente pode terminá-las mais cansado do que começou. Lamentavelmente, ainda não surgiu nenhuma lei que dê o direito de descansar das férias.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822