O RH, O SAP E OS PLANOS DE EXPANSÃO
Desde que foi criado, no início dos anos 90, sabe-se que o PCC mantém um estatuto com regras de comportamento a serem seguidas dentro e fora da cadeia. Na operação Ethos, os investigadores descobriram que a quadrilha também tem um sistema de bonificação e aumento gradual de salário para os integrantes da célula R como recompensa pelo “bom trabalho desenvolvido” — quase como um plano de carreira. As diretrizes foram encontradas em uma carta manuscrita e digitalizada (confira abaixo) com o título “Conjunto de Medidas Disciplinares”. Os bônus são pagos em quantias de 1.000 reais.
O texto também institui um sistema de advertências a quem cometer “faltas graves”, como não responder telefonemas e e-mails, não entregar relatórios ou “não cumprir tarefas determinadas e pedidos variados feitos pelas gestoras associadas”. As punições são definidas por cores: verde (“só um puxão de orelha”); amarelo (“aviso para redobrar a atenção”) e vermelho (“cobrança verbal dura e redução de honorários”). Cada cor definia um prazo de reabilitação de 6 meses, 8 meses e um ano, respectivamente.
Segundo as investigações, os advogados recebiam em torno de 1 milhão de reais por mês e não trabalhavam para clientes específicos, mas para a facção como um todo. Um e-mail recebido por Costa – e anexado ao inquérito – orienta-o a providenciar um R (advogado) para ajudar o guerrilheiro Mauricio Hernandez Norambuena, que cumpre pena pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto em 2002. A proximidade entre Norambuena e o PCC vem de longa data. Foi ele quem ensinou táticas de terrorismo às lideranças da quadrilha, quando estava preso em Presidente Bernardes (SP), em 2006. “Nessa relação não há qualquer tipo de vínculo advogado cliente, mas sim uma relação entre advogado e organização criminosa, que recebe dinheiro proveniente do narcotráfico para atender a pessoas vinculadas ou colaboradoras da organização criminosa”, diz o inquérito.
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A implantação dos bloqueadores de celular nos presídios paulistas obrigou a cúpula do PCC a encontrar novas formas de comunicação com o “mundo externo”. Uma delas era usar os advogados da célula R, que por meio da carteira da OAB tinham acesso fácil aos presídios e ainda contavam com o sigilo garantido à profissão. A polícia chegou a monitorar um desses momentos. Numa mensagem, um detento transmite ordens a uma das gestoras dos Rs, Anna Marques, para que levante informações sobre agentes penitenciários de Cornélio Procópio, no Paraná. O recado é datado de 17 de novembro de 2016. A suspeita é que os dados seriam usados para uma eventual execução ou para fazer ameaças. “O evento instruiu relatório de inteligência para adoção de cautelas necessárias para preservação da vida desses agentes”, diz o inquérito.
Os advogados R também tinham o papel de atender às demandas dos chefões da facção e de seus familiares. Em especial, marcavam consultas médicas e procedimentos cirúrgicos para eles. Em depoimento à Polícia, o próprio Marcola diz que contatou a advogada Simone, um dos alvos da Ethos, para arranjar um médico que lhe operasse o ombro – o procedimento teria custado 27.000 reais.
Com as células em ação e organizadas, o PCC começou a pensar longe. Um dos planos era protocolar uma série de denúncias de abusos na cadeia, a maioria sem fundamento, na Organização das Nações Unidas (ONU). A finalidade era conseguir benefícios no sistema penitenciário e o fechamento do presídio de Presidente Bernardes (SP), onde os presos ficam isolados no Regime Displicinar Diferenciado (RDD). O ex-conselheiro do Condepe, Luiz Carlos dos Santos, confirmou em seu depoimento o “projeto internacional” do PCC. “Estava em curso o plano que poderia constituir, na prática, uma grande denunciação caluniosa internacional, em evidente prejuízo político e econômico ao Estado brasileiro”, diz o inquérito.
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Os próximos passos da Operação Ethos se concentrarão em detectar se o PCC conseguiu replicar o modelo de gestão em células de outros Estados. Há indícios de que o mesmo esquema foi implementado em Santa Catarina e Mato Grosso. “O know how obtido pela célula “R” no Estado de São Paulo fez com que o Conselho Deliberativo [a facção] passasse a exportar esse modo de agir para outros Estados da federação, principalmente naqueles Estados sedes de presídios federais”, conclui o delegado Contelli, no texto.
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