Os clientes que visitam as novas lojas da grife californiana Victoria’s Secret saem de lá quase sempre surpresos. As paredes e tetos escuros, a iluminação baixa e o destaque para as peças provocantes de lingerie que tornaram a marca sinônimo de moda íntima deram lugar a tons pastel, espelhos enormes e manequins plus size. Além de sutiãs e calcinhas, itens que fizeram a fama da empresa, são oferecidas agora roupas para ocasiões variadas e uma seleção de peças de gênero neutro, e há uma aposta maior nos produtos de beleza e perfumes. A radical mudança faz parte da estratégia de reinvenção da companhia e pode ser compreendida como uma tentativa desesperada para salvá-la do caminho da irrelevância. “Tínhamos de parar de agir em razão do que os homens queriam e começar a pensar no que as mulheres desejam”, justificou o diretor-executivo Martin Waters.
Depois de construir a sua reputação com desfiles de modelos famosas — os anjos inconfundíveis e de forte apelo sexual —, a grife acabaria inevitavelmente desconectada dos novos tempos. De certa forma, as modelos sempre magras, brancas, altas e de cabelo liso entraram em choque com os conceitos atuais de beleza, muito mais inclusivos. Assim, aos poucos, a empresa ficou em descompasso com aquilo que as gerações recentes almejam na hora de comprar: uma marca em que se vejam espelhadas. A pressão foi tanta que, em 2020, o ramo britânico da Victoria’s Secret declarou o pedido de proteção contra credores, passo anterior à falência. No mesmo ano, a marca fechou 250 lojas. Pouco antes, Ed Razer, diretor de marketing da grife, havia dito que a companhia não lançaria roupas plus size, em uma clara resistência para se tornar uma marca com a qual mais pessoas pudessem se identificar. Em resposta à declaração, a empresa passou a ser alvo de rumorosos protestos feitos diante de suas lojas. Para piorar, o executivo foi acusado de misoginia e assédio. “Enquanto isso, alguns competidores da Victoria’s Secret aproveitaram o timing para investir em produtos de maior diversidade, exatamente o que fez a Fenty, marca da Rihanna”, diz Márcio Ito, consultor de moda da Faculdade Santa Marcelina.
Quando a crise chegou às finanças da companhia, ficou mais do que evidente que era hora de mudar. Muitas de suas modelos tradicionais foram substituídas por mulheres mais “reais” e comuns. Além disso, a Victoria’s Secret acrescentou ao catálogo nomes associados à diversidade, como ativistas, empreendedoras e atletas LGBTQIA+. Foi uma primeira tentativa de reinventar a marca, atualizando-a. O passo mais recente na trajetória de recuperação foi dado com o anúncio, no último dia 29 de abril, de uma parceria com a Amazon para vender sua linha de artigos de beleza. O primeiro grande acordo do tipo feito pela Victoria’s Secret prevê que cerca de 120 produtos estejam disponíveis no varejista digital, incluindo loções, sabonetes e fragrâncias da marca. De acordo com Greg Unis, CEO do Negócio de Beleza da empresa, a intenção é, no longo prazo, adicionar outros itens, como sutiãs e calcinhas, à plataforma. “Estamos expandindo nosso universo de consumidores”, afirmou Unis. A estratégia vem dando certo. A divisão de produtos de beleza, antes irrelevante, agora é responsável por 15% do faturamento.
Nunca é fácil para grandes marcas mudar o foco de seus negócios, mas a história corporativa está repleta de exemplos marcantes. A Apple alçou voo e se tornou a marca mais valiosa do mundo apenas ao desbravar novos nichos de mercado. Com a chegada do primeiro iPhone, em 2007, passou a se dedicar mais aos aparelhos móveis em vez de focar apenas em computadores, e com isso passou a ser a principal referência em tecnologia para diversas gerações de consumidores — algo que se mantém até os dias atuais. A japonesa Nintendo, criada em 1889 como fabricante de cartas de jogos, se tornou o gigante dos games quando o bisneto do fundador Fusajiro Yamauchi assumiu o comando da empresa e olhou para os jogos eletrônicos. Como se vê, o segredo para a vida longa é ficar atento às transformações da sociedade. Para a Victoria’s Secret, há um fator ainda mais decisivo: anjos, afinal, nunca morrem.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789