Primeiro surgiram os displays digitais, os alarmes de estacionamento e a conexão com celulares. Depois, vieram os computadores de bordo, câmeras com sensores, assistentes pessoais, sistemas eletrônicos e o piloto automático, equipamentos que tornaram o ato de guiar inevitavelmente mais fácil — e, certamente, mais aborrecido para alguns. Agora, os carros da novíssima geração têm tecnologia embarcada semelhante à de aeronaves ou até superior, a depender do modelo. E incrível: eles até falam.
Não é jeito de dizer. No BMW iX, o condutor pode pedir ao “assistente pessoal inteligente” que conte uma piada durante a viagem — seu estoque de causos é variado, mas por enquanto palavrões não foram incorporados ao software — ou perguntar à máquina qual música está tocando. O fabricante alemão garante que o modelo elétrico reduziu pela metade os controles físicos exigidos para o motorista operar o veículo e promete a regeneração automática de riscos superficiais na grade dianteira do carro. “O futuro, sem dúvida, é elétrico, conectado e autônomo”, afirma João Veloso Jr, head de comunicação corporativa da BMW no Brasil.
Os sistemas de inteligência do BMW iX são ajustáveis, o que significa que eles aprendem com o tempo, mas jamais se tornam aparvalhados — a não ser que quebrem, é claro. O executivo conta que o carro memoriza os hábitos do motorista e pode realizar ações sozinho, como, digamos, abrir o vidro ao cruzar o portão de entrada do edifício onde o dono do veículo mora ou trabalha. Até o compositor Hans Zimmer, vencedor do Oscar, participou da criação de um sistema de proteção acústica de pedestres, que permite que as pessoas escutem a aproximação do carro. De acordo com a montadora, engenheiros brasileiros foram importantes para o teste e solução de problemas nos sistemas de entretenimento, comando por gestos e interface de voz no automóvel. Cada carro sairá por cerca de 655 000 reais na pré-venda e chegará ao país em abril.
A montadora de automóveis de luxo está longe de ser a única a investir em tecnologias sofisticadas. A também alemã Audi lançou recentemente o seu primeiro esportivo elétrico, o RS e-tron GT, que conta com suspensão a ar adaptativa. Em linhas gerais, ela regula automaticamente a altura do veículo, assim como seus sistemas de amortecimento. Até o tradicional ronco do motor a combustão, ausente nos automóveis elétricos, é simulado por um equipamento colocado no porta-malas. A curiosa solução é feita para agradar aos amantes dos carros tradicionais que estão entrando no mundo dos elétricos. O preço do mimo é salgado: aproximadamente 1 milhão de reais. Não que isso faça muita diferença para o público-alvo. Em 24 horas, todo o lote inicial, de cinquenta unidades, foi vendido no Brasil.
Até a icônica Kombi, veículo de transporte de carga raçudo que fez sucesso nos anos 70 e 80, entrou na onda dos carros inteligentes. No segundo semestre, a Volkswagen começará a vender na Europa a versão elétrica da famosa perua, chamada agora pelo nome pomposo ID Buzz. O veículo virá com um sistema multimídia cujo software é atualizado por redes sem fio, assistente pessoal e painel de instrumentos digital. Também terá funções modernas, como o aprendizado com os hábitos do motorista.
Pouco a pouco, os automóveis deixam de ser um simples meio de locomoção para se tornarem verdadeiras centrais multimídia de alto rendimento, ganhando cada vez mais autonomia. De fato, poucos setores da indústria passaram por tantas transformações nos últimos anos quanto o segmento automotivo. E vem mais por aí. “No futuro, a própria Carteira Nacional de Habilitação passará a ser opcional”, diz Veloso. “A partir do momento em que o carro conseguir tomar decisões sozinho, o trânsito ficará mais seguro e o documento não fará mais sentido.” Para o consumidor, a nova realidade mudará por completo a relação que ele tem com o automóvel. Bastará apertar os cintos e apreciar a viagem, deixando que a máquina faça todo o resto. Inclusive conversar com ele.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782