Nos izakayas, tradicionais bares japoneses, é comum o saquê ser servido até transbordar o copo. É sinal de que o cliente será tratado com abundância. A clássica e milenar bebida fermentada de arroz, criada no século III, é um dos ícones do Oriente. Há, agora, um fenômeno em expansão, ele também abundante: o interesse ocidental pelo drinque. Na última década, as exportações quase triplicaram de volume, passando de 14 milhões de litros por ano para aproximadamente 36 milhões de litros a cada doze meses. Antes restrito aos restaurantes, para acompanhar sushis e sashimis, em copos de vidro fino ou de cerâmica, ganhou espaço na coquetelaria e expandiu seus domínios pela noite de Nova York.
Em busca do mercado promissor, ímã de todos os outros, a Asahi Shuzo, dona da marca Dassai, uma das mais consumidas no mundo, anunciou a abertura da primeira fábrica fora do Japão, a cerca de 100 quilômetros de Manhattan. As primeiras garrafas saídas de instalações que custaram cerca de 53 milhões de dólares serão comercializadas ainda no primeiro semestre deste ano. “Foi uma escolha fácil, Nova York é um lugar onde todas as culturas do mundo se juntam”, diz Kazuhiro Sakurai, CEO da empresa. Outros rótulos made in USA começam a surgir em saquerias artesanais na bem menos glamorosa cidade de Hot Springs, no estado do Arkansas, que tem atraído jovens produtores por estar na região responsável por quase metade do arroz plantado no país. “Ainda há um certo mistério na cabeça dos consumidores ocidentais”, diz Weston Konishi, presidente da Associação de Fabricantes de Saquê da América do Norte. “Consideram a bebida um tanto exótica, mas é impressão que começa a mudar.” Pesa a favor da expansão o fato de o preparo ser relativamente simples. Frequentemente comparada com o vinho, a fabricação do saquê é, a rigor, mais semelhante à da cerveja. Os ingredientes são apenas água, arroz e koji, uma espécie de fermento natural também derivado do arroz. A aposta no hype oriental atraiu nomes reputados como o de Richard Geoffroy, filho de pais ingleses nascido na França, que desde 1990 supervisionava a fabricação do mítico champanhe Dom Pérignon. Farejando potencial na bebida de gosto suave, com teor alcoólico moderado, que varia de 14% a 16% e agrada quase todos os tipos de público, ele deixou o antigo emprego para criar sua própria versão de saquê. Depois do atraso em razão da pandemia, a marca, que conta com mestres japoneses para garantir bom grau de qualidade, já roda o mundo sob o nome de IWA. Concorre com rótulos consagrados japoneses e outras bebidas regionais que deixaram seus nichos para se tornarem globais, como as cervejas artesanais e os vinhos naturais.
O Brasil ainda está longe dos principais mercados consumidores, mas é parte da tendência. De 2012 a 2022, houve um aumento de 296% no consumo do fermentado, segundo a Associação Japonesa de Fabricantes de Saquê e Shochu. Em terras tropicais, a bebida passou a ser associada às frutas, resultando na versão oriental do drinque mais brasileiros de todos. Não deu outra, por óbvio: já existe a caipisaquê. “Não demorou, portanto, para o saquê ser consumido até em churrascarias”, diz Paulo Busch, diretor da Sakeria e Destilados Thikará. Em restaurantes de alta gastronomia brasileiros — e sem pegada oriental, sublinhe-se —, como o Oteque, no Rio de Janeiro, do chef Alberto Landgraf, e o Evvai, em São Paulo, de Luiz Filipe Souza, uma das etapas de harmonização do menu degustação é feita com saquês. “Pessoas sem descendência nipônica apreciam a bebida, embora ainda haja certo desconhecimento do sabor autêntico”, afirma Teiji Hayashi, embaixador do Japão no Brasil.
Versátil — daí o segredo do sucesso —, o saquê pode ser degustado quente ou frio. Depende apenas do clima e do gosto do cliente, atalho para consumo durante todo o ano. Quem deseja seguir as tradições, e respeitá-las é sinônimo de educação, tem de obedecer a algumas regras de etiqueta: jamais servir o próprio copo e brindar com todos os presentes antes de consumir a bebida. Kanpai!
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837