Era o sonho americano. Em 1955, ao inaugurar o pioneiro parque temático, em Anaheim, na Califórnia, Walt Disney (1901-1966) afirmou, com a certeza de quem sabia estar inventando algo espetacular, que aquele era o “lugar mais feliz do planeta”. Em pouco tempo, a Disneylândia virou polo de atração. Depois, com a abertura do Walt Disney World, na Flórida, em 1971, deu-se a mágica completa. Desde então, as visitas (e as filas, ressalve-se) àqueles universos inventados se tornaram régua de medida da vitalidade do turismo global. Se estão cheios, é porque tudo anda bem. Se estão vazios, dá-se o alerta.
O momento, agora, é ruim. O desembarque de turistas de todo o mundo na Disney está 27% abaixo dos patamares anteriores à pandemia de Covid-19, de acordo com o relatório mensal da US Travel Association. Entre os brasileiros, particularmente, houve freada também. Em 2019, foram 2 milhões de turistas, que tinham a Flórida como principal destino. Em 2022, o total caiu para 1,2 milhão. Quando se olha para todo o país, as cifras são ainda mais contundentes. Em 2019, foram 79 milhões de visitantes nos Estados Unidos — número que caiu para 51 milhões em 2022 (veja detalhes no gráfico).
A redução doeu no bolso. Há quatro anos, antes da ameaça do vírus, os forasteiros puseram 180 bilhões de dólares na terra do Tio Sam. No ano passado, o valor caiu para 99 bilhões de dólares. E deu-se, enfim, um feito inédito: pela primeira vez na história, os americanos estão gastando mais dinheiro em suas viagens ao exterior do que os turistas estrangeiros nos Estados Unidos. Um outro modo de entender o tamanho do problema é acompanhar a movimentação para a Europa, que está mais saudável. Na Espanha, por exemplo, as chegadas de turistas nos seis primeiros meses de 2023 estão 28% acima dos níveis de 2019. A França também segue cobiçada, apenas 3% abaixo dos índices pré-confinamento, um déficit que não deve durar muito tempo, de acordo com as estimativas governamentais, ainda mais com a proximidade dos Jogos Olímpicos de Paris, no ano que vem.
Não se trata do fim dos tempos, longe disso, e há sinais de melhora nos Estados Unidos. Mas uma pergunta não quer calar: o que houve para recuperação tão lenta? Um dos obstáculos é burocrático, com o represamento da concessão de vistos. “Os postos consulares dos Estados Unidos ficaram praticamente fechados durante boa parte da pandemia, gerando uma demanda reprimida entre os viajantes”, diz Felipe Alexandre, advogado especialista em direito de imigração. “No caso do visto de turismo, o resultado foi filas de espera enormes para os agendamentos, passando dos 500 até 600 dias.” Ressalve-se, no caso do Brasil, a evidente e louvável melhora nas últimas semanas, com o estabelecimento de plantões nos fins de semana, agilidade e preocupação com a exagerada demora.
Há outros nós. Um relatório de tendências de viagem da Embark Beyond, agência de serviços de luxo, aponta outro fator para o desinteresse dos visitantes: a insegurança. O parecer indica uma crescente inabilidade do país em se apresentar como um lugar seguro — embora, é claro, não se compare aos riscos por aqui. A instabilidade política, o aumento das taxas de criminalidade e a onda de pessoas desabrigadas, ataques públicos e tiroteios em massa assustam potenciais turistas.
E, então, dá-se uma maré natural em outra direção. Os americanos estão fazendo as malas, em travessias de férias ou a trabalho para outros continentes, sobretudo a Europa. O número de cidadãos viajando a lazer aumentou 3% no primeiro semestre de 2023 em relação a 2019. Mas logo retornam, porque o “lugar mais feliz do planeta” de Disney não pode parar.
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858