Como o tênis virou um dos maiores objetos de desejo da atualidade
O gosto por modelos antigos, o culto às celebridades e a entrada das grifes de luxo no mercado explicam o fenômeno
Enxergar como evoluem as preferências de consumo de uma sociedade é sempre uma forma interessante de traçar as mudanças de valores que ocorreram ao longo da história. Por vezes, o exercício termina em achados que revelam aspectos pouco óbvios. Seria muito difícil vislumbrar, por exemplo, que um calçado tosco inventado no fim do século XIX, feito de borracha e que não tinha sequer pé direito ou esquerdo, se tornaria uma commodity cultural neste início do século XXI. Fala-se do tênis, criado para a prática de esportes, mas hoje responsável por movimentar um mercado avaliado em cerca de 115 bilhões de dólares por ano, e, ao mesmo tempo, para figurar entre os objetos de desejo mais cultuados da atualidade. “Os tênis são símbolos culturais do nosso tempo”, escreveu a especialista em marcas Naomi Braithwaite, da Universidade Nottingham Trent, da Inglaterra, ao comentar a realização de uma exposição dedicada a esses calçados no Design Museum de Londres.
A transformação é fruto da capacidade que o fascínio pelas celebridades, a ascensão das redes sociais e o poder do marketing têm de intervir no comportamento. O primeiro tênis parecido com os modelos que conhecemos foi produzido em 1830 pela companhia inglesa Liverpool Rubber Company. Até um século depois, eles ficaram restritos às atividades esportivas, quando, na década de 20, o lançamento do All Star iniciou a popularização do sapato, que caiu no gosto dos jovens. Por isso, não precisou muito para que, trinta anos depois, ele emprestasse ares de rebeldia à geração que idolatrava James Dean.
A virada total, no entanto, se deu a partir dos anos 1970, com a adoção do calçado pelas comunidades negras e por músicos do hip-hop americano, seguida pela parceria do gênio do basquete Michael Jordan com a Nike, em 1984, que selou a mudança do status do tênis de um simples sapato para item do sonho de muita gente. Para se ter ideia, ainda é da linha Air Jordan o posto de tênis mais caro do mundo: o Solid Gold OVO x Air Jordan, de 2016, feito de ouro 24 quilates e avaliado em 2 milhões de dólares.
Agora, a onda de nostalgia que alimenta a moda e sua correspondente expressão nas postagens das celebridades dá o laço que faltava para manter vivo o culto ao calçado. O Air Jordan é o favorito da consagrada Rihanna ou de jovens atrizes como a brasileira Larissa Manoela. O New Balance é o escolhido por Hailey Bieber, enquanto o All Star não sai dos pés de Gigi Hadid. “Esse movimento vai continuar”, diz o estilista Dudu Bertholini. O mercado cintilante atraiu as grifes de luxo, que põem seus estilistas para criar versões igualmente icônicas. O Paris Sneaker Destroyed, da Balenciaga, é forte candidato. Com aparência de tênis velho, é sucesso de venda mesmo custando cerca de 10 000 reais. Repita-se: 10 000 reais. Virgil Abloh, ex-Louis Vuitton, deu uma explicação para o fenômeno. Segundo ele, os jovens valorizam mais o tênis do que obras de arte. As cifras mostram que ele pode estar coberto de razão. Que pena. ƒ simone blanesEnxergar como evoluem as preferências de consumo de uma sociedade é sempre uma forma interessante de traçar as mudanças de valores que ocorreram ao longo da história. Por vezes, o exercício termina em achados que revelam aspectos pouco óbvios. Seria muito difícil vislumbrar, por exemplo, que um calçado tosco inventado no fim do século XIX, feito de borracha e que não tinha sequer pé direito ou esquerdo, se tornaria uma commodity cultural neste início do século XXI. Fala-se do tênis, criado para a prática de esportes, mas hoje responsável por movimentar um mercado avaliado em cerca de 115 bilhões de dólares por ano, e, ao mesmo tempo, para figurar entre os objetos de desejo mais cultuados da atualidade. “Os tênis são símbolos culturais do nosso tempo”, escreveu a especialista em marcas Naomi Braithwaite, da Universidade Nottingham Trent, da Inglaterra, ao comentar a realização de uma exposição dedicada a esses calçados no Design Museum de Londres.
A transformação é fruto da capacidade que o fascínio pelas celebridades, a ascensão das redes sociais e o poder do marketing têm de intervir no comportamento. O primeiro tênis parecido com os modelos que conhecemos foi produzido em 1830 pela companhia inglesa Liverpool Rubber Company. Até um século depois, eles ficaram restritos às atividades esportivas, quando, na década de 20, o lançamento do All Star iniciou a popularização do sapato, que caiu no gosto dos jovens. Por isso, não precisou muito para que, trinta anos depois, ele emprestasse ares de rebeldia à geração que idolatrava James Dean.
A virada total, no entanto, se deu a partir dos anos 1970, com a adoção do calçado pelas comunidades negras e por músicos do hip-hop americano, seguida pela parceria do gênio do basquete Michael Jordan com a Nike, em 1984, que selou a mudança do status do tênis de um simples sapato para item do sonho de muita gente. Para se ter ideia, ainda é da linha Air Jordan o posto de tênis mais caro do mundo: o Solid Gold OVO x Air Jordan, de 2016, feito de ouro 24 quilates e avaliado em 2 milhões de dólares.
Agora, a onda de nostalgia que alimenta a moda e sua correspondente expressão nas postagens das celebridades dá o laço que faltava para manter vivo o culto ao calçado. O Air Jordan é o favorito da consagrada Rihanna ou de jovens atrizes como a brasileira Larissa Manoela. O New Balance é o escolhido por Hailey Bieber, enquanto o All Star não sai dos pés de Gigi Hadid. “Esse movimento vai continuar”, diz o estilista Dudu Bertholini. O mercado cintilante atraiu as grifes de luxo, que põem seus estilistas para criar versões igualmente icônicas. O Paris Sneaker Destroyed, da Balenciaga, é forte candidato. Com aparência de tênis velho, é sucesso de venda mesmo custando cerca de 10 000 reais. Repita-se: 10 000 reais. Virgil Abloh, ex-Louis Vuitton, deu uma explicação para o fenômeno. Segundo ele, os jovens valorizam mais o tênis do que obras de arte. As cifras mostram que ele pode estar coberto de razão. Que pena.
Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800