Como traficantes têm usado submarinos para levar drogas da América Latina
Sistema de transporte avançado dificulta o trabalho das autoridades
O colombiano Pablo Escobar consagrou nos anos 1980 o estereótipo do narcotraficante excêntrico e sanguinário. Escobar não tinha medo de se expor e, graças ao seu instinto irrefreável para chamar a atenção — seja com zoológicos particulares, seja com coleções de carros clássicos e aviões —, se tornou um dos criminosos mais midiáticos de todos os tempos. A nova geração de contrabandistas de drogas da Colômbia é muito diferente. Sorrateiros e discretos, os traficantes atuais agem nas sombras e utilizam recursos tecnológicos avançados para levar cocaína e afins de um país a outro. Nesse contexto, eles atingiram níveis de sofisticação inimagináveis para brucutus como Escobar. Em vez de comboios de caminhões, aviões de pequeno porte, porões de navios e mulas humanas, passaram a usar submarinos para abastecer o mercado de drogas mundo afora.
Há alguns dias, as Forças Armadas da Colômbia apreenderam um submarino que estava a caminho da América Central. No interior do submergível, que tinha acabado de entrar em águas colombianas, havia 4 toneladas de cocaína, com valor estimado em cerca de 750 milhões de reais — foi a maior apreensão de drogas no país em dois anos. Segundo os militares, a carga pertencia ao Bloco Ocidental Alfonso Cano, grupo guerrilheiro dissidente das Farc. Os tripulantes, três colombianos e um equatoriano, foram presos. O surpreendente é que estratégias como essa são cada vez mais comuns entre os traficantes.
Nos últimos dois anos, as forças policiais colombianas capturaram dois narcossubmarinos e outros dez foram avistados, sem que tenha sido possível interceptá-los. Trata-se de uma operação complexa e arriscada. As naves dos traficantes só são encontradas por radares de alta complexidade e, mesmo se forem identificadas, em geral elas escapam na imensidão dos oceanos. Há progressos em vista. Em janeiro, Óscar Moreno Ricardo, responsável pelo lançamento de semissubmergíveis pela costa do Oceano Pacífico, foi preso na Colômbia. Ricardo passou duas décadas desenvolvendo e aperfeiçoando os veículos, que empregou no transporte de cocaína colombiana para os Estados Unidos. Nesse período, ele treinou marinheiros — eles são obviamente indispensáveis no transporte subaquático.
A sofisticação do tráfico acompanha outra tendência. Em uma década, o uso de entorpecentes no mundo aumentou 22%. A pandemia piorou o quadro. De janeiro a junho de 2020, em pleno regime de quarentena, a quantidade de drogas apreendidas nas fronteiras brasileiras subiu 12,5 vezes, segundo estudo do Centro de Excelência para a Redução da Oferta de Drogas Ilícitas (CdE), uma parceria do governo brasileiro com a ONU. Acredita-se que o isolamento e o distanciamento social tenham agravado vícios e aprofundado o sentimento de solidão e impotência, que muitas pessoas combatem com o uso de substâncias ilegais. Nos Estados Unidos, o número de casos de overdose cresceu 42% no primeiro ano de pandemia.
Os colombianos continuam a fazer fortuna com o tráfico, assim como Pablo Escobar no passado. Dados recentes apontam que 1 quilo de cocaína pode ser adquirido por cerca de 1 000 dólares no país produtor, em geral na América Latina, e revendido por 70 000 dólares em nações da Europa, o maior consumidor de drogas ilegais no planeta. “Um mercado tão rentável leva à especialização, inovação e modernização de métodos e rotinas, com grupos dedicados ao plantio e manipulação, transporte, revenda no atacado e muito mais”, diz Vinicius Teles, titular da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos de Goiás. Em um cenário tão desafiador, é fundamental que as autoridades empenhadas em coibir o trânsito de drogas, seja por que meio for, consigam se antecipar aos criminosos para quebrar o círculo vicioso, o jogo de gato e rato que chegou agora o fundo do mar. Investir em forças policiais bem treinadas, em inteligência e equipamentos mais modernos ajudaria bastante.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777