Corpo em evidência: o recado dos recentes desfiles de alta-costura
Depois de dois anos dentro de moletons e pijamas, na clausura da pandemia, as mulheres começam a exibir as formas
A chegada da cantora Rihanna na manhã da terça-feira 1º de março à Paris Fashion Week — semana de moda mais badalada do mundo — deu a temperatura do que aconteceria dali a pouco, no desfile da coleção de inverno 2023 da Dior. Linda aos seis, sete meses de gestação (poucos sabem o tempo exato), a artista surgiu com as formas exuberantes à mostra, a bordo de um modelo criado para ela pela grife francesa. O que Rihanna vestia (ou revelava) é a essência de uma das marcas mais fortes da temporada. As transparências se tornaram onipresentes nas peças recentes das casas de alta-costura, aparecendo em detalhes vazados, rendas e tecidos fluidos. A ideia é dar à beleza do corpo a evidência que merece.
PRADA
Onde: Milão
Conceito: mistura de tendências (minissaias e transparências)
FENDI
Onde: Milão
Conceito: leveza e silhueta orgânica
A tendência começou a ganhar força com os naked dresses, os vestidos totalmente transparentes que apareceram no ano passado em resposta aos moletons, pijamas e camisetas que as pessoas estavam usando havia mais de um ano, entre quatro paredes, por causa da pandemia. De lá para cá, o desejo de expor a pele se intensificou, refletindo no que se vê agora nas passarelas. “As pessoas querem se mostrar, tomar vento, pegar sol”, diz a stylist e consultora de moda Manu Carvalho. “Foi muito tempo com o corpo escondido por roupas e pelo isolamento social.”
O anseio tem seu ápice agora, momento em que a distância entre o recato doméstico e a euforia social diminui. Pouco a pouco, a vida retoma seus trilhos graças à vacinação e à suspensão das medidas restritivas adotadas em vários países. Como depois da tempestade vem a bonança, a resposta brotou com estardalhaço e arrojo. Não à toa, portanto, os vestidos diáfanos foram um show à parte nas passarelas. “Antes, as transparências apareciam de maneira básica”, diz Manu Carvalho. “Agora, são ousadas e elaboradas.” Exemplos nítidos do que descreve a especialista foram apresentados pela Chanel na capital francesa, e com um gostinho especial de fetiche, mostrando o que antes era tabu mostrar.
JEAN-PAUL GAULTIER
Onde: Paris
Conceito: estampas em 3D e cores fortes
CHANEL
Onde: Paris
Conceito: arrojo com pinta de fetiche
Some-se ao grito de rebeldia — sim, a roupa é uma forma poderosa de expressão feminina e de autoestima — um interessante movimento de uso de tecidos que ajudam a ampliar a sensação de transparência. No desfile de Jean-Paul Gaultier, estampas em 3D emolduravam lindos e longos vestidos see-through (em tradução livre do inglês, ver através). Há quem diga que os excessos das semanas de moda delas não saem, de tão ousados. Não é verdade. As minissaias e corsets de Alexandre Vauthier, em Paris, e o repertório da Prada para o inverno de 2023, mostrado em Milão, comprovam que as peças translúcidas podem, sim, ser transportadas das passarelas para a vida real. Vesti-las talvez exija algum atrevimento. Se faltar, e houver dúvida em torno do que deixar visível no corpo, convém lembrar do que disse a estilista Coco Chanel (1883-1971): “A moda é arquitetura: é uma questão de proporções”. Se a guerra na Europa não nos embrutecer, triste e melancolicamente, justo agora que começávamos a sair da Covid-19, é possível vislumbrar um 2022 translúcido, límpido como havia tempos não vivíamos.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779