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Detox digital vira tendência em tempos de uso exagerado do celular

Onda ganha impulso em resorts off-line e na sala de aula, onde smartphones já não entram

Por Mafê Firpo Atualizado em 4 jun 2024, 09h32 - Publicado em 10 fev 2024, 08h00
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  • Nestes ultraconectados tempos, em que a humanidade se deixa absorver mais de seis horas diárias pela tela do celular, hábitos cotidianos vêm sendo radicalmente transformados. Às vezes, é difícil balizar o que se desenrola em terreno saudável do que se torna excessivo, mas certos sinais já foram vastamente elencados como indícios de que o aparelhinho que tanto fascina pode estar dragando mais energia do que o desejável. Interromper a cada instante uma tarefa para dar aquela lida nas notificações que não param de chegar, esticar a hora de dormir por não conseguir pôr um ponto final na navegação, ser acometido pelo medo de perder algo de importante se não consultar as redes sociais e sentar-se à mesa sempre com ele, o smartphone, ao lado — esse é um roteiro muito comum, que deve ser evitado.

    Para a turma que não consegue frear o uso, e não é pouca gente, o jeito, segundo especialistas, é recorrer a uma prática que ganhou até nome: detox digital. A ideia é ir reduzindo o período de conexão, ou até baixá-lo a zero, para deixar de sofrer os efeitos negativos do exagero — falta de concentração, ansiedade, insônia — e ir além, sedimentando uma relação mais consciente e razoável com o objeto que virou quase uma extensão das mãos.

    AGENDA CHEIA - Ioga em resort peruano: sem tempo para pensar em celular
    AGENDA CHEIA - Ioga em resort peruano: sem tempo para pensar em celular (//Divulgação)

    Não raro, é preciso um empurrãozinho para desapegar, e nesta hora uma série de iniciativas pode ajudar — a começar pelas restrições no ambiente escolar, onde os celulares têm sido cada vez mais recolhidos nos portões, inclusive em colégios brasileiros. É nesta mesma direção que caminha um ascendente nicho do detox digital composto por hotéis e resorts mundo afora, que confiscam o aparelho no check-in e lotam a agenda esvaziada pela experiência off-line, com zero de conexão, de atividades as mais variadas, para o corpo e a mente. Um dos mais belos exemplares do gênero é o Willka T’ika, na lista dos melhores neste rol, localizado em cenário peruano deslumbrante, entre Machu Picchu e Cusco. Por cerca de 1 400 reais por dia, o hóspede ali se desvincula da internet e até da TV e embala em uma estada recheada de ioga, meditação e pintura. Celular, só mesmo em caso de emergência. Pioneiro no ramo, o Digital Detox Retreat, criado na Califórnia em 2012, quando as pessoas já estavam sugadas por seus smart­pho­nes, funciona como um retiro: ninguém dá o nome verdadeiro nem fala de trabalho e qualquer sorte de tecnologia fica em casa.

    Mesmo com tudo milimetricamente pensado para romper o elo umbilical entre homem e celular, o processo não é fácil, já que envolve questões fisiológicas e mexe com o cérebro. O ciclo desta dependência tem a ver com o prazer imediato que proporciona, ao desencadear uma maciça liberação de dopamina, justamente o hormônio que resulta na feliz sensação. “As redes geram entretenimento quase que infinito, criando um rush de dopamina. O problema é que, quanto mais ela é liberada desse jeito, menos o indivíduo produz o hormônio naturalmente”, diz o neurocientista Li Li Min, da Unicamp. Romper tal lógica exige alto esforço, sobretudo entre as jovens gerações, que desde cedo tiveram um teclado ao alcance dos dedos. Colônias de férias vêm dando sua contribuição ao barrar os smart­pho­nes e estimular o detox. A estratégia é fornecer a crianças e adolescentes atividades que lhes garantam o bom uso do tempo, como ocorre na Kihu, no Rio de Janeiro. “Não senti falta do celular. Voltei para casa e perdi até a vontade de usar”, conta a estudante Antônia Ribas, 17 anos, que costumava passar mais de cinco horas por dia em frente à telinha.

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    LIGANDO E ATENDENDO - O geógrafo Tobias Burgos comprou um dumbphone, sem acesso à internet. “Percebi que não precisava ficar tão conectado”, diz
    LIGANDO E ATENDENDO – O geógrafo Tobias Burgos comprou um dumbphone, sem acesso à internet. “Percebi que não precisava ficar tão conectado”, diz (//Arquivo pessoal)

    Sabidamente, não é assim para todo mundo — a maioria acaba se rendendo à tentação de, após a privação, voltar à carga nos posts e likes. A desintoxicação que conduz a efeitos duradouros requer um afastamento do aparelho de mais ou menos um mês. Não que a pessoa não vá retornar à navegação, o que nem é o objetivo, mas poderá criar um laço mais saudável com a tecnologia. “Hoje em dia, é necessário ter uma consciência digital”, afirma o sociólogo Robson Campanerut, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Isso é mais difícil para a garotada, que, se não for advertida pelos pais, vai deixando a hora passar entre um clique e outro. A ciência classifica como nomofobia o medo de se ver sem acesso ao celular. Vício mesmo é quando a pessoa apresenta quadro de agressividade ao lhe tirarem o smart­pho­ne e isso impacta suas relações pessoais. “Passar mais de três horas conectado por dia é preocupante, e não raro provoca problemas de saúde mental”, diz a psiquiatra Mila Maia Santiago.

    Neste cenário, as escolas, que tanto incentivaram o ingresso da tecnologia na sala de aula, sobretudo na pandemia, agora estão podando o uso de celulares e, em alguns casos, os vetando por completo. Tudo sob aplausos das famílias, que querem ver a regra implantada, mas não têm lá muita coragem ou força para impedir que os rebentos saiam de casa com o aparelho — e dá-lhe pôr a responsabilidade nos diretores e professores. Um de cada quatro países — entre eles muitos europeus, EUA e Brasil — já concebeu normas para diminuir a presença dos eletrônicos em prol da melhora do rendimento. O prefeito Eduardo Paes, do Rio, acaba de publicar um decreto proibindo o aparelho inclusive no recreio. Contudo, é necessário alcançar um ponto de equilíbrio — a conexão, se bem usada, pode abrir um mundo muito útil ao saber. Enquanto luta para atingir esse elevado estágio, porém, uma ala de fissurados por redes mergulhou no túnel do tempo e comprou um dumbphone, aquele celular à moda antiga, que só liga, sucesso nos anos 2000. “Vejo todos os meus amigos perdendo tempo com seus smartphones e percebi que não precisava disso para minha vida”, avalia o geógrafo Tobias Burgos, 27 anos. Parece que bateu nele a tal consciência digital.

    Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

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