Lá no finalzinho da década, o homem chegou à Lua. Estados Unidos e União Soviética estiveram a um passo da guerra nuclear. O rock n’roll começou com os embalos de Elvis Presley para desaguar nos Beatles. No corpo e na alma, as mulheres deram um grito de liberdade. Não à toa, a década de 1960 tem um rótulo indelével: revolucionária. Na moda, como manifesto dos humores, não podia ser diferente. Os “anos rebeldes” botaram a alta-costura e o recato de lado para dar espaço à ousadia nos trajes, penteados e maquiagens. É inspiração que marcou época e, vira e mexe, renasce como seiva e droga para as novas gerações. Se é o caso de mudar o sentido, andar na contramão, não há ponto mais adequado no túnel do tempo do que aquele período a um só tempo charmoso e incômodo, em que foi proibido proibir.
E, então, cá estamos de volta aos 60. Um dos símbolos da transformação no visual e na mentalidade que retorna às ruas e passarelas é a minissaia. Criada pelo estilista francês André Courrèges e popularizada pela moderninha britânica Mary Quant como marca do empoderamento da mulher, ela nunca saiu totalmente de cena, é verdade, mas ganha holofote nesta temporada. Peças um palmo acima do joelho imperam em desfiles — Marc Jacobs, Valentino e Versace, com o delicado vestido branco de Kendall Jenner, usaram e abusaram do recurso — , além de festas e filmes.
Outra característica que voltou a dar as caras com a pegada de sessenta anos atrás são os cabelos. Ora curtos, como os da vanguardista Twiggy, ora armados e imponentes, como os da fabulosa Brigitte Bardot. Eles traduzem, agora em 2024, a feminilidade até o último fio, simples assim. Nas coleções, nos tapetes vermelhos e nas redes sociais, o look dos sixties é repaginado para tornar as mulheres ainda mais poderosas — e sem medo de gostar de rosa, usar laços e babados e passar o delineador nos olhos.
A bem da verdade, o cinema puxou a tendência em produções como Era Uma Vez em… Hollywood, de 2019, antes da pandemia, e Barbie, do ano passado, protagonizados por Margot Robbie, atriz sensação do momento, embora desdenhada no Oscar, nos papéis de dois ícones fashion daquela época: a atriz Sharon Tate (1943-1969), em seus minivestidos estilo Pierre Cardin e botas de cano longo, e a boneca Barbie, de saia rodada e cintura marcada. Mas o que melhor representa essa ode sessentista é Priscilla, longa que traz um figurino de peças-chave (a maioria da Chanel) com a atriz Cailee Spaeny desfilando os cortes daquela década, dos modelos rodados em tons pastel — os preferidos do marido de Priscilla Presley, Elvis — às estampas que a diva só pôde usar depois de se divorciar e se libertar da prisão estética imposta pelo companheiro controlador. No filme de Sofia Coppola, as vestimentas retratam os anseios de uma geração.
Diferentemente de outras tendências, que somem tão rápido quanto aparecem, em sucessivas ondas, o estilo que revive a rebeldia do paz&amor, mas com um tanto de guerra, tem tudo para perpetuar-se, em eterno retorno. Prova disso é um de seus desdobramentos, apelidado de Coquette Aesthetic, que flerta com os visuais elegantes, lúdicos e delicados, repletos de laços e pérolas, além dos delineadores tipo gatinho e dos cílios de boneca, que marcaram época — o fenômeno angariou 6 bilhões de visualizações no TikTok.
Essa estética nostálgica é hoje também a favorita de musas da geração Z, como Ariana Grande e Lana Del Rey, justamente por trazer uma pitada de briga contra tudo aquilo que está aí, em defesa do feminino, com estardalhaço. “É um jeito de assumir o lado mais ‘mulherzinha’, o que não deixa de ser também uma libertação”, diz a figurinista Gogoia Sampaio, que trabalhou na série Anos Rebeldes, da TV Globo. Os anos 1970, tampouco os 1980, que gostam de bater à porta, não têm esse mesmo potencial transformador. O recado ecoa um preceito que já fez história: estilo não é lei nem camisa de força. Disso já nos libertamos nos anos 1960, ainda bem.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882